Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sexta-feira, março 29, 2013

OITO FLUXOS DISSOLUTOS



(ou, Exercícios de Fonossemântica)


Ouvindo Debussy  - La Fille aux Cheveux de Lin




"De la musique avant toute chose..." 
 (" A música antes de mais nada...") 
 Paul Verlaine (simbolista francês)



APRESENTAÇÃO



Os 8 poemas da série que abaixo vos apresento têm a musicalidade por essência.
Mais que poemas, são objetos estéticos, fabricados sobre fonemas,
cujas faces ritmadas ressoam nas assonâncias, nas aliterações, elisões e... alusões.
Verdadeiros artefatos verbais, estruturas fonéticas
que sugerem, mas, não nomeiam os seres nem as coisas;
em vez disso, apenas roçam, poeticamente, a realidade.

Em verdade, nem os considero poemas,
mas, fluxos fonossemânticos, modulados aleatoriamente.
Melodias dissolutas, que transcendem a letra e cujo espírito sopra onde quer.

Essa série argumenta a possibilidade de extrair das palavras,
não o nexo da sua estrutura, mas a poesia arraigada em seus sons.
E a poesia não está presa à lógica do sentido, está na intuição, na fantasia, na imaginação...



Metapoema de Abertura - PEQUENOS NADAS

Rendados - Carla Schwab





















"A Poesia é feita de pequeninos nadas e
(...) cada palavra tem uma função precisa,
de caráter intelectivo ou puramente musical, e não
serve senão a palavra cujos fonemas fazem vibrar
cada parcela da frase por suas ressonâncias anteriores
e posteriores".    (MANUEL BANDEIRA).


.
.
.
Eu traço versos
como quem trança
                os nós du'a rede.

.
.
In/vento-os,
Pequenos nodos,
            pequenos nadas,
feitos de vozes
         com que desfio,
                    fio após fio,
em des(a)linho, esses retroses
de quase nada.
Não têm motivo,
           não têm sentido,
                 esses liames
esses barbantes de fino linho,
que só têm ritmo,
tecido e rima,
mas não têm nome que os defina.

Enlaço os versos como quem ata
cordéis ao vento. . . como um encanto. . .
(Fecha essa página, se até agora
Não tens motivo nenhum de espanto.)

A cada linha aqui tecida,
de mim se escorre,
e em mim se míngua
a tessitura dos véus da língua...

Pois nesses laços que agora vedes,
há uma parte de mim
que morre
e outra parte que (se) me amarra à (minha) vida.

(Eu faço versos como quem tece u'a estranha rede...)



Fonte da imagem:
http://carlaschwab.blogspot.com/2010/04/rendados-carla-schwab_11.html




Poema nº 1 - ALFENINS


Imagem: Luísa Carneiro






















Enfileirem-se uns flácidos fonemas,
formando feixes deles,
em fornada fluente
:
Frases em flocos,
fluídas, de rar(o)efeito.

Lufadas de ar/tifícios,
forjados em foles.

Hiatos,
feito fluxos pífaros,
de oxítonos flautins;

Fabriquem-se, assim,
sobre melífluos morfemas,
fonoestéticos enfeites,
[esses]
movediços semantemas
:
Suspiros,
sussurross,
rebuçadosss,
filhoses, algodoados
e ôcas formas afins,
* * * * * * * * * *
que se esfarelem na fala,
ao feitio de alfenins.



Fonte da imagem:
http://i.olhares.com/data/big/137/1370591.jpg



Poema nº2 - CLARAS EM NEVE




























"Devemos ser suaves, suaves, suaves uns com os outros, porque somos muito frágeis..."

............................................................................Petra Maré, in Abrigo de Ventos

Dissolve-se um fonema,
em excipiente átono,
quase inaudível fluxo, in abstrato,
claras em neve,
i-lógico hiato...
de ilusória elisão.

Leva-se a lenir, vogal aberta,
u'a  flatus vocis,
em leve vozear, ao rés do vento,
dulcíssima alusão...

Servir, translúcida,
em céu algodoado.




Eurico
em reengenharia de nuvens...rs



Fonte da imagem (e da epígrafe):

Algodão em flor.



Poema nº 3 - BALÕES DE NADA





Atentai hoje
na ars poetica da bolha breve
que escapa leve de um tubo fino
com que um menino sopra a ilusão
Balão brilhante soprado a esmo que nada afirma
além do brilho pois que em si mesmo a nada alude
diversamente das que de gude lidam em lúdica competição
Só brilham estes casulos ocos vazios nulos e entrementes desvãos desvios
vácuos inócuos comas hiatos bulbos de ar fruta gorada e vã lenição
mero à esquerda hora perdida tiques e lapsos sons tautológicos
versos autistas frases recurvas sem dicção
balões de nada coisa fadada à
d i s s o l u ç ã o.





Fonte da imagem:
Abrigo de Ventos




Poema nº 4 - FLORADA






















Não olvideis, no entanto,
desses nichos vocálicos, minúsculos,
que, a um canto, oclusos,
roem o instante...

Eis que eles brotam dos sais,
monossilábicos ais
e alçam, em inesperados tons,
suas asas, brevíssimas, bilabiais.
Pululam, palpáveis sons,
mantras zen, interjeições...

Olhai os insetos do céu...

E não olvideis desse mel,
mimético mel, volátil,
tão metonímico mel.

Volvei as vistas ao léu:

borboleteiam abelhas,
com favos novos, verbais,
zumbidos consonantais,
arbitrárias uruçus,
em aglutinantes colméias
melífluas onomatopéias,
in/significantes zunzuns.



Fonte da imagem:
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNlrlrpro9JGvn3USMdia_JZ7Eyv0h4gk1saWmJ0anFgGfpwa1Fff8xJuT5eMPGKMPuDq2U1jm4UqHK_D1B3gXPwR91WMrtZDUFTj0GfKAZkMUt9g4MaH9lIYOLUvX9df9eXIR4Q/s1600/abelhas-e-favos-f6b46.jpg


Poema nº 5 - JARRA DE LUZ




























Dum jarro jorram jáculos
de lázuli sem mácula.
Vernáculos.
Cristais azuis em jactos,
aquáticos,
de luz coagulada.

Finíssimos filetes,
tentáculos,
de caules florescentes,
quais báculos,
em que rebentam brotos,
re/natos e trans/lúcidos,
da bela e inculta flor
do Lácio.




Fonte da imagem:
http://br.olhares.com/flor_azul_foto1973596.html



Poema nº 6 - IMPROVISO À CLARINETA






sié
çarua
sié
çarua
fossimin-
nha

eumã
dava
eumã
davamo-
dularrr
co'notinhas
co'notinhasdissonantes
parumeuparumeuamormalhar

sié
çalua
sié
çalua
fossiminha
eumãdava
eumãdava
eh
lah
brilharrr
comluzinhasmiluzinhasdissonantes
pareleh
pareleh
fantespassar

serpentinasciciantes
silhuetasdecetim
rodopiammilinfantes
piruetasdeguri

obrincanterodopia
quatrocantosdeolinda
braçossoltosmãomolenga
passotortopernafina
cabriolaabailarina
melodiafescenina
clarinetasbombardinas
vaievémnamultidão


rammramm
rammramm
ramram

rammram!
taaa-taritari-tatá!




Eurico,
em dias de brincantes...rsrsrs

Fonte da imagem:
http://coretojs.blogspot.com/2009_11_01_archive.html




Poema nº 7 - FLUSS


















S. Tiago 4-14



Esse instante, outrora espuma,
não-lugar, desterritório.
(Esse fruto de estar só...)

Coisa in fieri, esse instante...
Quase frol.
Nuance.
Fiapo de lã, de luce.
Névoa no ar,
esfuma-se.

Flui-se,
esse instante, frui-se.
Véu evanescente: Fluss.



fonte da img:

 rosácea












u’a (p)Rosa

*  * *medra
*  *  *do prado


outra brota (pétrea)
*   *   *do átrio

est’outra
medra da madre
*    *    *de pedra
(poliedro*de*esquadro)
*   *   *   *no adro
*   *   *   *o bruto fruto
*   *   *   *da (p)Rosa
*   *   *   *(b)rota
*   *   *   *de pé/
*   *   *   *dra.






Imagem Google

















domingo, março 17, 2013

DAS JORNADAS CARNAVALÍRICAS (ou, Batutas não morreu, moça!)

Orquestra de Batutas de São José


 Créditos da imagem:




Estava eu no encontro de blocos Eu Quero é Mais, naquele fatídico 16/02/2013, dia em que o nosso músico Luquinhas Lyra foi baleado covardemente, na frente do Estádio do Náutico, (hoje, faz 30 dias, ele já saiu do coma e está em franca recuperação)... 

Bem... mas o que quero mesmo registrar é algo muito constrangedor que, infelizmente, meus pobres ouvidos foram obrigados a ouvir, no trajeto dos blocos líricos. Estávamos na Prudente de Morais, uma das famosas ladeiras de Olinda, quando cruzamos com o afamado Bloco Batutas de São José, do inolvidável Maestro João Santiago, que, no início do século XX, compôs Sabe lá o que é isso, a mais gostosa marcha de blocos do nosso carnaval:

“...sem você, meu amor,
Não há carnaval...
Vamos cair no passo
E a vida gozar!”

Pois bem, eu, folião de carteirinha e fã do Batutas, fiz a tradicional saudação:

Não deixem morrer Batutas!  

E, logo em seguida, escuto uma bela e firme voz feminina gritar, bem atrás de mim:

Já morreu faz tempo!

Voltei os olhos, curioso, e vi uma bela pierrete, portando um belíssimo flabelo, à frente de um bando de outras pierretes, lindamente trajadas. Era flabelista, a moça de cuja boca de carmim eu ouvi aquela verdadeira blasfêmia contra o bloco Batutas de São José, deca-campeão dos carnavais na década de 1960. 

Ah, a década de 60...
Batutas, por essa época, dominava o carnaval, seguido pelos Banhistas do Pina, outro grande campeão e por outras belíssimas agremiações, que eram a alegria dos amantes dos blocos líricos, como eu.

Não,senhorita! Não morreu, o grande Batutas. Jamais morrerá!  
Ele está na nossa alma, no sangue dos pernambucanos e foliões de todas as partes. 

E é por isso que lutamos, nós compositores dos blocos anônimos, os que têm pouca mídia e, portanto, pouca ajuda da Prefeitura. Lutamos pela preservação dos blocos mais humildes, que já foram a fina flor desse carnaval lírico.
Dia desses, vi Pirilampos de Tejipió, que evoluía, humildemente, no Pólo da Várzea. Meu coração ficou apertado ao ver o sofrível aspecto daquele bloco afamado, que foi o xodó do grande Guilherme de Araújo, e que sempre fez bonito nos carnavais de outrora. Não é à toa que nos versos de um dos mais belos frevos de bloco de todos os tempos, cita-se Guilherme e o seu Pirilampos:

“Felinto, Pedro Salgado, Guilherme, Fenelon,
Cadê teus blocos famosos?
Bloco das Flores, Andaluzas, Pirilampos, Apois Fum
Dos carnavais saudosos?”

Pois é, moça, é por eles que lutamos bravamente, que resistimos contra os insensíveis gestores da coisa pública, com honrosas exceções, que nada sabem dos bastidores de luta, dos sacrifícios que se fazem para botar um bloco na rua. E aqui louvamos a resistência dessa nova geração, que gosta do lirismo desses blocos antigos. Por isso, repito:

Não,senhorita! Não morreu, o grande Batutas. Jamais morrerá!  

Para concluir, tenho uma auspiciosa notícia: 

Descobri, em andanças pelo meu querido bairro da Várzea, que os blocos sem mídia estão articulando encontros na periferia da cidade, verdadeiras jornadas carnavalescas, em que seus cordões de pastorinhas, suas orquestras dedilhadas em cordas e palhetas, seus seresteiros e poetas estarão empunhando o flabelo da resistência popular pela nossa cultura. Exultemos! Um grupo solidário de foliões está conspirando em prol da alegria! 

Ainda ontem, à sombra de um frondoso jambeiro varzeano, centenário como tudo naquele arrabalde, ouvi palavras alvissareiras de uma das flores do Capibaribe, (que, por hora, não direi o nome, mas quem é de bloco lírico, sabe bem de quem falo). Trouxe-me, aquela flor, palavras inteligentes e decididas, que alegraram e muito o meu coração carnavalesco. É que nós, os blocos enraizados nos subúrbios do Recife e cidades do entorno, a partir de junho, talvez antes, estaremos trocando visitas uns aos outros, em festivas caminhadas líricas, pelas ruas dos nossos bairros, subvertendo, com alegria, o descaso dos nossos gestores, e produzindo cultura pelos nossos próprios meios, mesmo sem mídia, sem subvenção, que isso nunca foi obstáculo para os verdadeiros foliões.

Avante, seresteiros, avante, pastorinhas! O verdadeiro carnaval lírico está de volta aos lugares de onde saiu: os subúrbios históricos do Recife.  
Salve a periferia, salve os blocos líricos, salve o movimento de cultura popular, que nunca morreu, nem nunca morrerá. 

Batutas tem um passado de lutas.
Salve Batutas, Batutas vai vencer!

Finalmente, e por sabermos que os blocos nasceram também do ciclo natalino, oriundos das jornadas dos ranchos e pastoris, que se estendiam do dia dos Reis até o carnaval (vide Prof.  Júlio Vila Nova) sugiro o nome de Jornadas Carnavalíricas, para esses encontros e caminhadas suburbanas dos nossos alegres bandos, que ora  anunciam essa tomada de atitude pelo lirismo do carnaval dos subúrbios.

Luiz Eurico de Melo Neto
(um registro para a história)

 
 

terça-feira, março 05, 2013

TAMBORES (ecos do carnaval...)


CRONOS
Emanuel Brito






















Dançar nas ruas
E celebrar as horas,
A par da própria fragilidade.
Dançar,
Afrontando, airosamente, o Inelutável.

Às ruas com os tambores!
Bumbar!
Um golpe vigoroso a Cronos;
Outro, mais abafado, ao nexo.
Dançar com alegria, em fado incerto.

Assim, dançar nas ruas, impunemente,
Sem nenhuma inocência ou temor.
Acaso estaríamos protegidos da fugacidade,
Dentro de nossas cascas,
Com as nossas cabeças cobertas por véus?

Às ruas com os tambores!
Bumbar!
Um golpe vigoroso a Cronos;
Outro, mais abafado, ao nexo.
Dancemos, com alegria, ao fado incerto.




Fonte da imagem:






domingo, março 03, 2013