Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

domingo, setembro 30, 2012

ARCO DA RABECA (litania d'Olinda)

ARABISCO: Caminho do Céu - E. B. Brito
 

Quem diria...
O arco da minha rabeca é árabe.
Mas nós é que inventamos os desertos
Os hamburgueres,
E as calamidades.

Deus! quanto é vã nossa modernidade.
Perfunctória e fútil, eis a verdade.
Essa fuligem é tão mórbida
Quanto a obesidade.

Havia um coqueiral na praia.
Algumas casas.

Um farol.
E o que agora encontro é a Realidade.
Nem peixes.
Nem tarrafas.
Nem anzóis.


Deus! quanto é vã nossa civilidade.
E quando o tempo nos tirar o véu,
Pode ser tarde.

O arco da minha rabeca é árabe.


Mas nós já temos a indústria.
E o forno arde.
Novos desertos surgem ao cair da tarde.
O mar avança
E alcança
a nossa vaidade.

Deus! quanto é vã a nossa ansiedade.

Entanto, indiferentes,
Erguemos túmulos litorâneos
E os batizamos:
Cidades.

...mas descobri, enfim,
que o arco da minha rabeca é árabe.


Quem diria...
O arco da minha rabeca é árabe.

 

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Eurico
(com arabisco de Emanuel B. Brito)


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sexta-feira, setembro 28, 2012

SAGRAÇÃO (mitopoese com Cabeça)


CABEÇA - E. B. Brito



...unge a tua cabeça, e lava o teu rosto
Mt 6:17





Fiz-me ao mar de mim.
Sou um silêncio
em que se funda o mito;
um mar intenso.


Fiz-me ao mar de noite.
O meu nigredo.
E ouço o marulhar:
mistério e medo.

***
 
(Essa totalidade eu não invento.
Se estou uno, a unicidade vem de dentro. )
 
 
***

 
 
Eurico
(releituras em Giambattista Vico)


terça-feira, setembro 25, 2012

CÁLIX (um mitologema)

CÁLICE - E. B. Brito
 

De pé sobre as águas
Ergo até a fronte, em brasa,
A Palavra.
Seu hálito me invade
E acende a porta, a estreita porta,
Vazada sobre a noite dos tempos.
Mesmo quando sobrevoa-me em círculos
A ave do ocaso:
Nada dizer.
Nenhum pensar.
Nada ser.
Chorar sobre a cidade agônica
E olhar-me de fora das muralhas.
Tenho um centro ou dilato-me centrífugo?
Todos os ninhos estremecem vazios.
Estou sem mim.
Mas há címbalos.



 

Poema também publicado, anos atrás,  em http://www.blocosonline.com.br/
por gentileza da amiga Leila Míccolis - Maricá-RJ
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Imagem:
Cálice in AbARCA

Comentário deste poema em
Um Cronist'Amador


 

sexta-feira, setembro 21, 2012

PASSAREDO (vitral abstrato)

Passaredo - E. B. Brito


 
Sounds of Nature - Forest Piano:

 

Oiço pássaros,
nesse palrar de traços;
 
Pássaros,
saltitam, abstratos;
 
Pássaros.
Alegres, ruidosos, inquietos, inexatos;

Vários:
ferreiros, sabiás,
canários e sanhaços;
 
Pássaros,
 gorjeiam nos rabiscos.
passeiam nos espaços.
 
Silêncio!

Oiçam os traços...
 
 
 
 ***

Nota do blogueiro:
Não é poema,
é mera legenda para essa imagem maravilhosa
de Emanuel B. Brito.
 
 
 

 

terça-feira, setembro 18, 2012

ESTUDO Nº 1 (poesia incidental)

FOLHAS - E. B. Brito
























Poderia ser Debussy,
se as folhas, pequeninas asas,
voluteassem sobre nós.

Poderia ser Debussy,
e a fauna acataria o fauno
sob os raios meridianos.
Decerto, nessas copas frondosas
Surgiriam generosas, as alas, em dó sustenido maior.

Se fosse Debussy
haveria condão de nuvens
e rajadas altissonantes
pelos cabelos em desalinho
de uma menina, em diáfano trampolim.

As árvores, naturalmente majestosas, alçariam vôo...

Assim,
Seríamos novas manhãs,
Novas sonoridades,
e não mais esses gritos estonados sob um tropel.


 
Releiam,  ouvindo um cristalino piano em Arabesque nº 1, do eterno Achile-Claude Debussy:



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DE LÍRICA - para uma metafísica do sensível

CORTINAS - E. B. Brito














































Subindo para o geral, sem jamais se desprender do ponto de partida, a ascensão metafísica é similar ao papagaio de papel a subir sempre mais sem desprender-se do cordel de quem o puxa; somente sobe porque está preso à terra. O metafísico, homem pequenino a puxar pelo cordel de suas idéias, atira o seu pensamento para as alturas; com as idéias intencionalmente nas nuvens, subirá sempre mais, à medida que der impulso a partir dos dados primitivos de sua própria metafísica.
(Evaldo Pauli)



Luzeiros na noite escura.
A chuva em que viça a flora.
Deliciar-se em doçura.
A tua presença agora.
Súbita flor na planura.
Uma ária ao romper da aurora...

Pobres dos que não os percebem!

Antes, os bêbados,
os clowns,
os birutas,
os poetas...
(Todos os que não padecem
da abulia que acomete
os normais e os exegetas.)

Mas, o que é isso, de fato?
Isso, indizível, mas, evidente,
que, vez em quando, invade,
assim, de lírica, a mente?

Flor, luzeiros,
chuva, aurora,
viço, doçura, presença...

Brilha nisso, simplesmente,
um indício in/ato,
de certa instância:
a estesia.
Pulsa um Ser, em entreato,
pulcro e abstrato:
A poesia.





Villa Lobos, Bachiana nº 5, Amel Brahim:


 
Fonte da imagem:
DELÍRICA

quinta-feira, setembro 13, 2012

UMWELT (poema-conceito)


OLHARES - E. B. Brito
























Ouvindo Dream, de Jean Michel Jarre:
(tentando fugir do lixo musical com que a grande mídia nos tem brindado...)




“Um dia terá que ser admitido oficialmente que o que temos batizado realidade é uma ilusão ainda maior do que o mundo dos sonhos.” (Salvador Dali)


Cada olho, ventre,
cada olho, verte-se
cada olho in/verte
Cada olho:
Um vórtice,
toda impossível luz.


Ponto, linha, ponto.
Dobra, curva, canto
níveis superpostos:
esse plano e o espanto.


Cada olho, v/entre
cada olho, a/gente.
Cada olho:
Umwelt,
d'eus em vertiginosa luz.




Fonte da imagem:

segunda-feira, setembro 10, 2012

ARABESCOS OU A/RABISCOS - uma loa para E. B. Brito



CARANGUEJO - E. B. Brito




Que o desenho é o fundamento do trabalho dos grandes artistas, é sabido por todos. Mas não é só isso. Alguns o elegem como seu principal veículo de criação estética. Daí os grafismos, o tachismo, o bico de pena, as diversas apresentações do desenho, que perpassam os vários nichos da arte contemporânea.


Assim, os intrigantes desenhos de Emanuel Bezerra de Brito, (que, na sua modéstia de sábio cearense, ele costuma denominar de rabiscos), revelam sua insólita maneira de olhar o mundo, aparentemente caótica, decerto, mas, pontuada por representações de um mergulho interior, que esse artista eleva ao nível de obra de arte, produzindo formas viscerais e telúricas, tais como:

Astral
ou



Bizunga


















formas que, ao emergirem desse mergulho, vêm ensopadas de um lirismo abstrato e profundamente pessoal.

Essas linhas por vezes  se aproximam da forma tradicional dos arabescos, embora assistemáticas e sem preocupações geométricas, como nesses Caminhos:






Não lhe escapa, no entanto, um certo figurativismo, nascido da observação de seu entorno, de seu universo pessoal, com grande carga de elementos que transitam entre o sonho e o mítico, como os que se notam em


Ás de Copas


 
 
Vaqueiros
 
 





 
Mariamiranda



e na belíssima                                      
Colombina

 
 


Essa espécie de expressionismo lírico, despojado e até mesmo informal, (eu deveria dizer naïf) em sua abordagem técnica, pode sim, ser chamada de a/rabiscos (não apenas rabiscos!), posto que são verdadeiros arabescos intuitivos, mas, de surpreendente beleza, principalmente nos que lembram o que eu chamo de vitrais abstratos, tais como

Andaimes,


ou em Olhares





A reiteração de certas composições e traços trazem uma certo ritmo ao seu tracejado, uma musicalidade espontânea, lúdica, casual, que, nos leva à percepção das imensas possibilidades dessa obra, que permeia as mais imprevistas nuanças de uma ars poética, onírica e surreal,

como se vê neste impactante The Wall



Mais desse abstracionismo lírico os leitores hão de encontrar no blog AbARCA,
que navega serena e altaneira, levada pelas mãos desse artista bissexto e simples,
que guarda um estilo próprio dos grandes mestres.


Um abraço, Manel.


Eurico
setembro/2012

***

P.S.:
Estamos trabalhando juntos em um projeto que vai unir o meu inédito Ser Tão Profundo ao talento do amigo Emanuel.

sexta-feira, setembro 07, 2012

ASAS (nº 2)


AVE - Emanuel B. Brito

















Um pássaro de seis asas...
Embora o rugir mecânico das coisas,
Um pássaro de seis...

E a urbe e o orbe
E o universo se desdobre,
Um pássaro...

Atávicos urros na estação metroviária neolítica,
Um passarinho...

(dilata-se o mundo real)




Eurico
Jun/1995

fonte da imagem:
AbARCA - E. B. Brito


TESSITURA

O BICHO - Emanuel Brito

Nada aqui é poesia, nem prosa.
O que fabrico é têxtil.
Bicho-da-seda, tramando
uma teia inconsútil.
Rara, mas, inútil.

Nada aqui é prosa, nem poesia.
 
Trabalho em um tear onírico e artesanal;
embora, esse espectro do demasiado humano
e essa invasão emocional
de marimbondos.






Fonte da imagem:
colaboração prestimosa
da lavra de Emanuel B. Brito,
com esse surreal bicho,
da seda, do linho, de qualquer coisa...
onírica e bela.

 

quinta-feira, setembro 06, 2012

DEGRAUS (arquitetura volátil)


DEGRAUS, por E.B.Brito


























 
 
Gn. 28:12,13


Essas paredes ascendem
por verticais monolíticas;
Saem do chão abruptas
Fundadas na pedra bruta.
Sete carreiras, na rocha
Lapidada em cantaria.

Erguer degraus é poesia?

Alvenaria abstrata,
Frases de argamassa e cal.
Essa peleja não é vã:
Tirar arestas à pedra;
Erigir versos de arrimo
E por a prumo as vertentes
Du'a volátil escadaria.


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Fonte da imagem:

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P. S.:
O leitor poderá, se quiser, clicar em Resenha Poética, para ir ao blogue Sítio d'Olinda. Lá estarão as inusitadas "explicações poéticas" deste poema. feitas pelo meu compadre Carlos Pequeno do Espírito Santo, filodóxo e hermenauta das Olindas.
Divirtam-se!





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domingo, setembro 02, 2012

ZIMBÓRIO (com Estrelar)



Estrelar - Emanuel B. Brito





 
















No céu há sinais pingentes,
há mortes e nascimentos.
E as datas são referentes
desses céus em movimento.
Nada além disso.
É ilusório
o que julgam os nossos olhos;
Tempo é apenas o reflexo
do lucilar do zimbório.

E, aos seres do transitório
volutear desses astros,
sugiro serenidade,
paciência e amor fati;
Ver na fragilidade o mote
para cuidar do desgaste
de tudo o que é indefeso:
entes, coisas pequeninas, gentes...
Perseverar em ser, serenamente,
pacificar a alma,
que o tempo, essa sensação,
é simples abstração.

Já existes?
Te aquieta.
Ser é sempre eternidade...




Fonte da img:
AbARCA

sábado, setembro 01, 2012

CEIA (com peixe de E. B. Brito)

PEIXE-BOI 
E. B. brito 
 
 

Assentados à mesa,
repartem o peixe mitológico.
(mil anos os espreitam das escamas carcomidas)
Mil olhos
Mil’entes
Ante a mesa posta, verbofágicos,
os comedores de palavras
― ceiam ázimos
― bebem verbo
― gestam lácteas estrelas.
Vejam-me d’entre eles,
meus múltiplos eus e eu,
afiando essa faca ineffabille,
repartindo, nesse médium volátil,
Esse pães guturais...


 
Eurico
Pina - 1995
ao poetartista-plástico Eugênio Paxelly


Créditos da imagem:
Emanuel Bezerra de Brito