Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sexta-feira, agosto 31, 2012

Beach Soccer Lírico (com Siris)

SIRIS - E. B. Brito


























"vi dois siris jogando bola,
vi dois siris bola jogar, lá no mar..."
(Gonzagão/Zé Dantas)



Quando o mar arrebenta nos recifes
Do litoral da minha terra
As ondas tentam articular uma palavra.
(percebo isso, nitidamente,
num súbito acréscimo de receptividade)

Sempre...
balbucia a arrebentação.

Caminho por essas praias há muito tempo.
Costumo apalpar os grãos de areia com as pupilas.

Estranho fenômeno.

Sinto o fulgor da presença das coisas.
E isso assusta a minha frágil individualidade.

Estou no fenômeno.

Tocar as coisas com as palavras. Impossível.
Tocar as coisas é fazer filosofia.
Mas sou profundamente lírico.
Fenomenologicamente lírico.
Não há lirismo em epoché.
Minha consciência, irredutível,
abraça-se às coisas, liricamente:

Eu sou o fenômeno.

Os infantes jogam a péla secular,
Chutes de viés cruzam o horizonte.
E eu apreendo algo de musical,
nas variadas combinações dessa opereta de praia.
Danço com eles, volições entre parênteses,
eu-inteiro driblo, chuto e agarro-me à pelota.
Impossível suspender o juízo que faço de mim e das coisas:
Sou o próprio juiz que joga o jogo.

Sou a irrevogável consciência-das-minhas-circunstâncias.

As sensações são esses pequeninos crustáceos marinhos.
Ora afloram, ora escondem-se em mim.
Certas vezes empalideço de emoção, com a arte de um lance .
Mas choro mesmo, ao ver essas crianças tão raquíticas;
Me arreto, quando as ondas arrastam essa bola.

A bola rola e o planeta.
Passam-se as horas.

Agora a tarde cai sobre meus ombros
E sei que estou me despedindo das paisagens daqui.
(Sou o que vejo.)

Sinto-me um preso
Rumo ao degredo.
As ondas, ou algo indefinível,
Tentam iludir-me, ainda,
sussurrando essa palavra.

Sempre...




 




Fonte da imagem:
AbARCA



 
 
Nota do blogueiro:
Sobre o verbête "péla" (bola), acentuado, leiamos o interessante sítio abaixo:

quinta-feira, agosto 30, 2012

JARRA COM FLORES

UMPÉDEQUÊ, por E. B. Brito
Dum jarro jorram jáculos
de lázuli sem mácula.
Vernáculos.
Cristais azuis em jactos,
aquáticos,
de luz coagulada.

Finíssimos filetes,
tentáculos,
de caules florescentes,
quais báculos,
em que rebentam brotos,
re/natos e trans/lúcidos,
da bela e inculta flor
do Lácio.








 




Fonte da imagem:
AbARCA 
Emanuel B. Brito




 

terça-feira, agosto 28, 2012

ANDAIMES (desconstruindo Babel)

ANDAIMES por E. B. Brito







"O mundo poderá ser salvo
se o homem desfizer a distância
que o separa da sua infância."

Cassiano Ricardo



Essa urbe vítrea funda-se
em um equívoco deliqüescente,
um desvio nos desvãos das mentes:
ruas sintáticas,
lineares, sem graça, sem crianças;
ambas carentes dos trapézios líricos
e da possibilidade do vôo..


(Permanece  vitrúvio no vítreo,
esse dessonho retilíneo,
em inútil plano desonírico?)


No entanto,
toda construção em cânones é um equívoco,
um anti-Sphairos,
mesmo que côncava,
e ainda que convexa,
Isso que eles chamam nexo
é uma dislexia do oco sem eco.

Quando entenderão esses babélicos arquitetos
que o unívoco e eterno é um Ser Esférico?






Eurico
(poema dedicado a Oscar Niemeyer )

Imagem: ANDAIMES
um vitral abstrato, de rara beleza,
que me enviou o artista Emanuel B. Brito




 

ROLIMÃS (rondó em fluxo de consciência)

CASTELO por E. B. Brito

























Há frestas no mundar-do-mundo,
por onde flui a flor
das formas inefáveis
:
A luz de um jorro d’água
despenca contra o cântaro;
e o ontem se expande, ôntico.


Um galo na aurora, introjetado,
essa presença e um fluxo,
um quase-estado.


O tempo,
rangendo as dobradiças no equinócio;
o eixo desgastado,
do carro de mneme, em rolimãs.


Manhãs,
cama de molas, mãe,
fuga da escola e a bola,
retumbando no zinco dos portões.


Há ecos luminosos ...
Há mesmo luz na voz
do antigo chafariz;
Arcos reflexos, folhas de flandres.
Latas vazias esperam;
em quântico, o universo se expande.


O vento nas anáguas,
réstias do Sol na água,
Há luz!
Há luz nas coisas compossíveis!


Aldravas, velhas casas,
alfinetes em almofadas,
ferrolhos que se abrigam;
As mangas nos quintais
Alpendres, cercas vivas.
Nesse impalpável mundo, a chuva cai.


Uma antiga voz de jorro em latas d’água,
o chafariz
deslizam rolimãs ladeira abaixo,
ladeira acima,
Olinda.
A chuva no telheiro
dum pardieiro.
A Bica do Rosário.
O Bispo do Rosário.
Tempo feliz.
Ecos distantes...
a mesma voz de jorro d’água
do mesmo chafariz;
raios do mesmo Sol, em enfileiradas latas de folha de flandres.
Um mesmo e antigo Antes,
recentemente introjetado, ,
e um tempo,
rangendo nos seus eixos desgastados,
num trilho da memória.
Em rolimãs...





(poema em fluxo de consciência, inspirado na obra de Arthur Bispo do Rosário)

 
Fonte da imagem:
Emanuel Bezerra  de Brito

domingo, agosto 26, 2012

ISSO (com Imbira)


IMBIRA - Emanuel B. Brito
 




 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 “...menino sonha com coisas
que a gente cresce e não vê jamais...”

Roberto Ribeiro (de Nelson Rufino e Zé Luiz)
 
 
Disso que, em verdade, não vejo
e que, sinceramente, a minha mão não alcança;
é dessa coisa singela e estranha
que cuido o dia todo, todos os dias...
Disso que, enquanto olho, não percebo o tanto,
(porquanto, é a minha alma, estrábica)
é nisso que me ocupo,
eis minha fábrica:

Isso, inefável,
Isso, indizível,
Isso, volátil e jamais tocado...

Nisso me erijo
desde criança,
Nisso invisível (eu, que não creio),
sonho o meu sonho,
nessa esperança...




Nota do blogueiro:

Esta série de poemas, uns novos, outros reeditados,
desde 22/08/2012, apresenta uma novidade:
o trabalho do amigo-irmão Emanuel Bezerra de Brito,
que, depois de algumas décadas, reencontrei pelo google.
Ele é filho do Crato, mas andarilho, como todo bom cearense.
E esse é dos bons mesmo,
dou minha palavra como garantia,
e vou além, dou a minha poesia...

Bem-vindo, Mestre!
Taí a tua Imbira, onírica e bela,
ilustrando Isso, que nem sei se é poema ou não.

quinta-feira, agosto 23, 2012

GINETE (poema-agalopado)


CAVALO DOIDO - Emanuel B. Brito
 
 
eu não invento
um arte-
fato; estou 
no próprio arte-
fato
que (se) constrói
tritura
mói
rumina
depois, atiça
cospe, vomita;
estou na Liça,
isso-que-avança,
ginete e lança
guerra gregária
sou luta e dança
bellum sine bello
guerra sem guerra
em lances belos;
desejo, anelo
que se projeta
que se reinventa
sou esse estado
de sobressalto
nessa intra-estrada entre-
aberta,
cavalgo em alerta!
e enquanto troto
eu me desloco
e aloco vozes, eus
antevisões
convoco
forças plurais
pulsões
e invoco d’eus E
povoo o espaço
com multidões
faço e disfarço
forço o desforço
por todo lado
esses mil lados
esses meus lados
e em fuga, invado
a terra ao lado
uma outra terra
não mais agrária
terra não-terra
disforme e vária
e me desloco
(belo, sim, belo!)
feito um martelo-
agalopado
em campo aberto
por esse estro
lócus incerto/devir-cavalo
cruzo o deserto
cruzo, acasalo
re(po)-
voando...




Fonte da imagem:
AbARCA
de Emanuel B. Brito
 

PÁSSARO (com ilustração de E. B. Brito)


Pavão misterioso, de EBBrito
 


O poema é o pássaro,
Vôo repentino:
Coisa no fulgor de sua própria presença;
O poema é o impacto,
Olhos de menino:
Nariz esmagado nas vidraças da essência;
Assombro lírico,
Fascínio órfico,
Subitânea iluminação do ser:
O poema é o pássaro,
Ave essencial.



Eurico


Nota:
Poemeto-collage, extraído do comentário do compadre Carlinhos do Amparo

quarta-feira, agosto 22, 2012

LUIZA

Colombina by EBBrito





















E criou Deus o homem à sua imagem:
à imagem de Deus o criou;
homem e mulher os criou.
..............................Gênesis, 1:27


Estamos na nova Manhã de tudo.
Manhã eterna e pagã.
Agora a Femina sobe a encosta
do outeiro, tangendo um rebanho de cabras.
Os balidos da Aurora
enchem o Caminho de símbolos e de bosta.
O planeta recomeça nessas tetas.
O planeta carece de regaço ma(e)terno.


Estamos na moderna Manhã de tudo.
O mundo ainda anda ab/surdo.
Há perplexidade entre os machinhos;
Mas já se escuta o balbucio atrevido das infantas.
O bélico dará lugar ao belo.
Desde sempre se anunciava
essa ascensão da Anima.

Estamos na manhã do domingo.
Os deuses estão alegres
e lançam os dados comigo.
Fazem apostas,
Divertem-se, os deuses. É domingo.
Sim, é domingo,
mas as deusas, como Deus, trabalham até hoje:

Encontrei Luiza na feira de orgânicos;
Trazia flores nas mãos
e uma sacola biodegradável.
Seus olhos luziam,
enquanto proseava com outras mulheres.
Seu sorriso era potável
como as águas dos rios futuros.
Havia cumplicidade e ternura.
Falava-se de gravidez e de luz.
Observava-me, quântica.
E me acenava, semiótica.
Quanta beleza!
Quanta esperança!

Quanta...



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Dedicatória:


às minhas filhas já nascidas e que hão de nascer,
às filhas das minhas filhas, minhas futuras netinhas,
às minhas sobrinhas mineirinhas, à minha Allana (saudade),
e a todas as minhas amigas virtuais, ou não,
extensivo às suas filhas, netas, sobrinhas.


Enfim, o poema é dedicado ao ser feminino.




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N. do A.:


Não sei de onde e nem porquê me vem à mente
a célebre frase de Flaubert:
"Emma Bovary c'est moi". rsrsrs
Mas não esqueçam que aqui habita um Eu-lírico. rs)



Fonte da imagem: Colombina by EBBrito

 

 

domingo, agosto 19, 2012

AGOSTO



















Alça-se do nada o nada

Coisa efêmera
de alma leve
E arrastada por rajadas rarefeitas.


Pluma suave, livre, breve
coisa de seda com listras.
E empina-se
linha zero em losango de taliscas,


Rodopios, nuvens brancas
as lufadas, céu de anil.


Sopra a brisa na enseada.
Dá saudade.
Ainda espero...
(quero-quero)





Fonte da imagem:
céu azul

Sounds of Nature - Chinese Bamboo Flute Music



Comentário do processo criativo, aqui

quinta-feira, agosto 16, 2012

TUBAL CAIM (mitopoese IV)




Gênesis IV, 20-22


I
Acordo cedo
e acendo a forja.
Sopro-lhe vida,
a plenos pulmões.
Espanco a peça
na qual trabalho,
com marteladas
(nietzcheanas?)
numa bigorna.
Minha obra, arranco
da impura gusa,
p/arte abstrusa,
que, esbraseada,
quer ser forjada.
Por isso luto,
tarefa insana,
(opus alchimicum?)
contra a matéria
bruta, que em brasa,
cresta minh’alma,
na lavra lenta
das raras peças.
Eis o motivo
da obra escassa.

II
Como eu invejo o artesão da palha,
Fácil manejo, nas mãos, na mente.
Dedos velozes dançam nas tramas,
trançando em ramas o todo e a p/arte.

Também invejo o cantador de motes,
aquele da poesia num repente,
que embola versos agalopados,
deixando boquiabertos os feirantes.

E os cordelistas, pluviosos vates,
gosto de vê-los, nas rimas tantas!
Fazem chover versos aos milhares.
Canções de gesta, como enxurradas
que invadem ruas, feito as enchentes.

Ai...se fosse assim meu árduo ofício...


III
Lavoro às chamas, queimando em febre,
tisnada a pele, olhos ardentes.
Lavro a escória do ferro gusa,
com essa pa/lav(r)a quase vulcânica,
Logos brasil,
Verbum incandescente,
Léxico de hermética metalurgia.

Eis minha sina, eis o meu fado,
(e com que enfado vos digo isso):
fundir a gema, pétrea e absconsa,
(e o Transcendente está nessa Idéia),
entre o crisol e a crisopéia.



IV
E então desperto
o mistério disso:

Acordo cedo,
bem de manhã,
e acendo a forja
d’alma louçã.
Lutar com as pedras,
Luta mais vã...



Eurico
metapoema sem data

20 E Ada deu à luz a Jabal; este foi o pai dos que habitam em tendas e possuem gado.
21 O nome do seu irmão era Jubal; este foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta.
22 A Zila também nasceu um filho, Tubal-Caim,
fabricante
de todo instrumento cortante de cobre e de ferro; e a irmã de Tubal-Caim foi Naama.


poema dedicado aos poetas itabiranos, Euza e Drummond
***
Em tempo:
dedico ao meu amigo-irmão E. B. BRITO


Fonte da imagem:

sábado, agosto 11, 2012

REFLORESTA


Imagem do Google




























Luz e sombra, verde, funda,
coisa densa, quase bruma,
face úmida de alguma poesia...

Chã de oculto e inculto húmus,
seixos, limo, correnteza.
Voz de arroio em sons potáveis,
harmoniosa beleza...

Sob a sombra, prenhe, fecunda,
mãe, frondosa,
nessa ubérrima penumbra,
misteriosa,
refloresce, vária e miúda,
numinosa,
cristalina e imensa, a Vida...




Ao velho Brennand, pai, que,
ao seu modo, com guarda-montada e rondas,
foi o primeiro protetor de nossa mata varzeana.

terça-feira, agosto 07, 2012

VÁRZEA (do Rio Capibaribe)

Oleiro















A argila aguarda uma gama de possíveis atos
Vasos aves flores cajus potes
Alimárias estranhas
Inúteis totens
Mil entes dúbios e esse brilho baço
Na voz das formas vis, vitrificadas.


Haja vista
Que essa chã de saibro é plástica
E emersa duma inexata massa aquática,
Quem haveria de saber
Que o barro-massapê
Tem a multiface hermética
E que da lama desse rio
Vazava uma poética?






Oficina Brennand














Aos artistas da Várzea do Capibaribe - Recife - PE


Um rio flui e tudo flui, com Llewellyn - The Secret Waterfall:

domingo, agosto 05, 2012

Lançamento do livro VÁRZEA, do Dr. Marcos Ferreira Sobrinho

capa do livro de crônica Várzea
A bela capa do livro VÁRZEA, de Marcos Ferreira
.
Em noite agradável e enluarada, deste sábado 04/08/2012, a comunidade varzeana celebrou o lançamento do livro de crônicas do Dr. Marcos Ferreira da Silva Sobrinho. Várias gerações estiveram presentes e a fila de assinaturas dava voltas no salão de festas do CAD. Sentíamos em cada jovem, em cada senhor, em cada senhora, um orgulho de ser varzeano, que é raro, muito raro, encontrarmos em outros bairros do Recife. Afinal, se somos considerados uma cidade das revoluções, o arrabalde  da Várzea do Capibaribe é pioneiro não só nas lutas libertárias do burgo recifense, mas na sua autonomia economica, na sua urbanização  para o oeste;  guardando, principalmente, em sua gente, talentosa, combativa e orgulhosa de suas origens, um   legado cultural,  imprescindível na formação da nossa identidade.

Parabéns, ao Dr. Marcos, que, apesar de sua vida assoberbada de dedicado ginecologista e obstetra, achou tempo para garimpar as preciosidades contidas em seu Várzea - Lembranças de um tempo que se foi, valioso repositório de reminiscências e de história, que ontem nos ofertou.

Contracapa do livro Várzea

sexta-feira, agosto 03, 2012

DEMARCAÇÃO DA POESIA Nº 1


Ao meu mestre e amigo Emanuel Bezerra de Brito


Meu canto é que nem um filete d’água
minando a pulso de um lajeiro.
É assim, arrastado, gutural,
canto monossilábico, melopéia pungente,
arrancada da pedra que sangra no reino de meu peito.

Canto esse meu canto agoniado, esse relincho, esse mugir,
essa infralinguagem,como a linguagem dos bichos
que tanjo em meu sertão profundo..
Vou cantando e tangendo esse gado invisível,
por entre espinharas sibilantes e seixos esbraseados.

Meu canto germina,
 feito um cardeiro em minha alma de abrolhos,
na solidão e no silêncio,
durante as léguas tiranas dessa caatinga interior.
Dessa terra rachada e sem húmus,
exsurge um léxico raquítico,
vocábulos mínimos
 que se alongam, tristes aboios, mugidos,
na minha garganta rouca e ressecada.

Com a morte em minhas lembranças
e a dor em minhas andanças,
canto uma agonia fechada, solitária,
universo parco de cabras e pedras,
quase sem palavras com que se cantar.


Eurico
in: Ser Tão Profundo/Mangue Interior


Fonte da imagem: