Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

domingo, julho 10, 2011

TUBAL CAIM (artesania ancestral)





 
I
Acordo cedo
e acendo a forja.
Sopro-lhe vida,
a plenos pulmões.
Espanco a peça
na qual trabalho,
com marteladas
(nietzcheanas?)
numa bigorna.
Minha obra, arranco
da impura gusa,
p/arte abstrusa,
que, esbraseada,
quer ser forjada.
Por isso luto,
tarefa insana,
(opus alchimicum?)
contra a matéria
bruta, que em brasa,
cresta minh’alma,
na lavra lenta
das raras peças.
Eis o motivo
da obra escassa.

II
Como eu invejo o artesão da palha,
Fácil manejo, nas mãos, na mente.
Dedos velozes dançam nas tramas,
trançando em ramas o todo e a p/arte.

Também invejo o cantador de motes,
aquele da poesia num repente,
que embola versos agalopados,
deixando boquiabertos os feirantes.

E os cordelistas, pluviosos vates,
gosto de vê-los, nas rimas tantas!
Fazem chover versos aos milhares.
Canções de gesta, como enxurradas
que invadem ruas, feito as enchentes.

Ai...se fosse assim meu árduo ofício...


III
Lavoro às chamas, queimando em febre,
tisnada a pele, olhos ardentes.
Lavro a escória do ferro gusa,
com essa pa/lav(r)a quase vulcânica,
Logos brasil,
Verbum incandescente,
Léxico de hermética metalurgia.

Eis minha sina, eis o meu fado,
(e com que enfado vos digo isso):
fundir a gema, pétrea e absconsa,
(e o Transcendente está nessa Idéia),
entre o crisol e a crisopéia.



IV
E então desperto
o mistério disso:

Acordo cedo,
bem de manhã,
e acendo a forja
d’alma louçã.
Lutar com as pedras,
Luta mais vã...



Eurico
metapoema sem data



Gênesis IV, 20-22

20 E Ada deu à luz a Jabal; este foi o pai dos que habitam em tendas e possuem gado.
21 O nome do seu irmão era Jubal; este foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta.
22 A Zila também nasceu um filho, Tubal-Caim,
fabricante
de todo instrumento cortante de cobre e de ferro; e a irmã de Tubal-Caim foi Naama.


Poema dedicado aos poetas itabiranos, Euza e Drummond
***

7 comentários:

Unknown disse...

EURICO!

Hoje, depois de desperto e acesa a forja, você escreve uma obra prima destas!!!!

Maravilhoso!

Bravíssimo!

Beijos

Mirze

Tania regina Contreiras disse...

E então desperto
o mistério disso:

Acordo cedo,
bem de manhã,
e acendo a forja
d’alma louçã.
Lutar com as pedras,
Luta mais vã...

Vão o poema? Perfeito, de uma beleza atritada, pedra com pedra procurando a fagulha e enfim...esse brilho! Parabéns!
Beijos,

Paula Barros disse...

Diga, amigo, artesão das palavras. Que anda bordando sentimentos com palavras, criando formas nesse entrelace de palavras e emoções.

beijo

Rejane Martins disse...

Muuuito forte-e-bonito isso, Eurico!, de uma textura visceral.
Eu guardo as proporções e as individualidades, mas não posso(nem quero) deixar de te dizer que essa tua luta parece estar dentro de mim também. Com as minhas (in)significâncias cotidianas, todo dia - tarefa insana.

Anônimo disse...

Itabira agradece!
Bjs.

Marcantonio disse...

É verdade, Eurico, há uma confluência temática do meu poemeto com este belo poema. Mas os foles que alimentam o fogo aqui são muito mais potentes!

Esplêndido!

Grande abraço.

lula eurico disse...

Marcantonio,
pelo que li da tua entrevista lá no Roxo-violeta, há muito mais potência nos foles do Azul Temporário, blog que já entrou na minha rotina de leituras virtuais.

Abç fraterno, Poeta.