Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

terça-feira, novembro 23, 2010

O Evangelho segundo Pessoa...



















(poema sem título, de Fernando Pessoa)



Ali não havia eletricidade.
Por isso foi à luz de uma vela mortiça
Que li, inserto na cama,
O que estava à mão para ler —
A Bíblia, em português (coisa curiosa), feita para protestantes.
E reli a "Primeira Epístola aos Coríntios".
Em torno de mim o sossego excessivo de noite de província
Fazia um grande barulho ao contrário,
Dava-me uma tendência do choro para a desolação.
A "Primeira Epístola aos Coríntios" ...
Relia-a à luz de uma vela subitamente antiqüíssima,
E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim...
Sou nada...
Sou uma ficção...
Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?
"Se eu não tivesse a caridade."
E a soberana luz manda, e do alto dos séculos,
A grande mensagem com que a alma é livre...
"Se eu não tivesse a caridade..."
Meu Deus, e eu que não tenho a caridade! ...




Fonte da imagem:
http://8e.img.v4.skyrock.net/8e8/priscilamachado/pics/1945701817_small_1.jpg

10 comentários:

Anônimo disse...

"A grande mensagem com que a alma é livre"

Valeu, Fernando!

Sueli Maia (Mai) disse...

Ah! meu amigo d'infância, era tudo que eu precisava hoje. Venho lá do Assis que me lembrou o amor e aqui, mais amor.

Te adoro, você sabe.

bjos

Jacinta Dantas disse...

Hummmmmmm!
Coríntios 13 em Fernando Pessoa...
Fernando Pessoa em Coríntios 13... E tudo é busca.

Grande abraço

Zélia Guardiano disse...

Lindo, lindo, lindo Eurico!
Escolha perfeita !
Assim como a Mai, eu também precisava disto hoje...
Abraço bem apertado,Eurico!

Luma Rosa disse...

Dependendo de quem lê, a bíblia traz alegria ou desolação! Caridade, poucos tem! Beijus,

www.pedradosertao.blogspot.com disse...

Ah, a palavra sagrada de Pessoa! Abração. Araceli

carmen silvia presotto disse...

É somos ficções, um grande mar de emoções querendo existir.

beijos.

Jens disse...

Pessoa, sempre necessário. Em especial nestes tempos pagãos, onde o culto à matéria tomou o lygar da celebração das coisas da alma.
Um abraço, camarada Eurico.

(PS: "um grande barulho ao contrário". Simplesmente duca!)

Claudinha ੴ disse...

Parece que vivo a cena. Parece que meus olhos ardem diante da luz fraca, parece que me emociono também. Conseguiu seu intuito de nos tocar a alma... Beijo.

Paula Barros disse...

Gosto quando leio um grande escritor e os sentimentos escritos se assemelham com o que sinto ou penso.

Esse sentimento de ficção, de nada...essa inquietude, a busca...e ele não tem a caridade, nem eu.

Acho que é em Eclesiastes que fala que tudo é ilusão. As vezes sinto a vida um pouco uma ilusão.

um abraço!