Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quarta-feira, agosto 25, 2010

Great Western (evocações de um Recife Antigo, Nº 3)























I

Nada mais poético do que a ciência,
quando perscruta a realidade com seus instrumentos falíveis.

Decerto um agrimensor
nessa província de muitas línguas,
fora flanêur nas vielas, com uma sombrinha e uma luneta.
Era o tempo de deitar dormentes,
e sonhar trilhos urbanos...

Nada mais poético do que abrir trilhas ao trolley
:
Os engenheiros formaram um team de football.
No céu azulado do Derby,
via-se a bola cruzada e o dirigível gigante.
Os pebolistas descansavam sob um certo sapotizeiro.

***
II

Oiço vozes.
O ar atravessa os gradis de ferro da ponte da Boa-Vista.
O vento sopra fonemas de outras línguas.
Oiço, creiam-me, oiço alguém dar as senhas aos maquinistas.
Oiço frases em inglês britânico.

Vocês não ouvem?

Pois, vos digo, que a ciência não é menos poética do que a poesia.
E que, se não topamos com Hamlet nas ruas,
tampouco tropeçamos com teoremas imaginários.

Oiço vozes, sim:
Is the ghost train really haunted?
E re-in/vento essas pitagóricas fantasmagorias.






Fonte da imagem:
Bonde do Derby, na Pça do Diário - Recife-PE
http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1112501

2 comentários:

www.pedradosertao.blogspot.com disse...

Ólá, Eurico,

Tâo bom reviver coisas boas...Gosto muito de ir nesses "poços" da memória. Tem muita água lá ainda! Abraço, Araceli

lula eurico disse...

Araceli,
que belo nome, feminino, mas vigoroso.

Vc captou bem esse texto desconexo e cheio de anacolutos. A imagem do poço de memórias é muito pertinente. Posto que a água desse poço é feita de étimos e não de átomos.
Os étimos que fluturam na superfície da memória, ou seja, as palavras que nos chegam, mesmo desusadas... é dessa água que bebo rsrsrs
As palavras são usos, são maneiras de ser e de ver, e brinco de sugerir coisas, de sugerir jeitos de ser, de viver da remota Arrecife dos Navios.
Brincadeira linguística, etimológica, arqueológica.
Flashes de sentido. Relâmpagos de nexo vivencial.
Recordações?
Nada, nenhuma alusão ao eterno retorno.
Mas trabalho como o faíscador de cascalho. Atrito as palavras, umas contra as outras, para ver se nelas reverbera algum sentido oculto.
Isso é poesia?
Sei lá!


abraço fraterno.