Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

terça-feira, julho 06, 2010

Sobrevôo





















Um vôo há de revelar-se lírico e livre.
Volitam os anjos.
Adejam as borboletas.
Voejam os pássaros.
Esvoaçam as plumas...

Já um sobrevôo é coisa técnica,
de espécie árida e cabralina.
Serve para exercícios pouco poéticos.
Por isso não se deve voar sobre populações flageladas.
A hora é grave e exige um sobrevôo.

Mesmo que observemos a extensão da dor através de binóculos
e bem assentados em poltronas ejetáveis,
a dor cinematográfica nos comove,
mas não nos alcança, ainda...
(Quem sabe se, seguindo antigo conselho egípcio,
construíssemos nossas moradas longe dos aluviões...)

Ontem, víamos apenas as queimadas, lá embaixo.
Pequeninos animais assustados a correr do fogo;
Depois, viriam imensos canaviais, encravados em nossa alma,
junto com a nossa orgulhosa tradição colonial;
A felicidade do açúcar, do melado, da rapadura...

Surgiriam então belos vilarejos ao longo dos rios.
Casinhas enfileiradas feito centopéias.
Praças da Matriz,
Ruas do Comércio:
bóias-frias felizes a consumir parabólicas.

(Como haveríamos de pensar em remorso pelo fim das matas ciliares?)

Agora os técnicos sobrevoam a tragédia anunciada...
Imagens de um infeliz clichê, em que não há nenhum lirismo.

Há a constatação histórica do óbvio.
E o óbvio não é poético:

Ergueram-se túmulos às margens dos rios,
e os batizaram:
Cidades.




Fonte da imagem:
http://wings.avkids.com/Book/Nature/Images/wright_glider.jpg


Pós-escrito em 11/08/2010:

E eu que pensava que estava viajando na maionese, vejo que há muito tempo os urbanistas sabem que se deve respeitar o rio. O CREA_PE vai ajudar a reflorestar as margens do Rio Una, em Palmares, Barreiros e outras cidades erguidas sobre as matas ciliares. Leia aqui.

21 comentários:

Dauri Batisti disse...

Meu caro amigo,

também fiquei mais de mês sem postar. Agora estou voltando também a visitar os amigos.Bom regresso pra nós.


A última frase do poema fecha tudo com beleza e dureza num paradoxo de dor.

Abraço.

Volto aqui depois

Vivian disse...

...eu não sei de quem é a culpa
de tantas catástrofes, tantas
devastações pelo mundo a fora,
mas com toda certeza, da mãe
natureza não é...

ela apenas responde aos nossos
atos.

adorei vê-lo passeando lá
no meu cantinho.

bjs, poeta!

Valdeir Almeida disse...

Eurico,

Pois é. O Homem cria mil e uma formas de investigar desmatamentos, poluição etc, mas, ainda assim, continuam a destruir a Natureza. Contraditório.

Abraços, e obrigado pelo comentário que você deixou no post sobre bullying.

Valdeir Almeida disse...

Eurico,

Pois é. O Homem cria mil e uma formas de investigar desmatamentos, poluição etc, mas, ainda assim, continuam a destruir a Natureza. Contraditório.

Abraços, e obrigado pelo comentário que você deixou no post sobre bullying.

Éverton Vidal Azevedo disse...

Eu vim por três coisas:

1) Agradecer o comentário-oraçao lá no último texto do Lion of Zion.

2) Dizer que aqui e acolá estou por aqui (você deve ver no sitemeter né? rs). Mas às vezes nao comento e saiu com os dedos cheios de silêncio.

3) Quero saber se você já leu ou conhece um poeta pernambucano chamado Joaquim Cardozo. Modernista. Me bati com um livro dele aqui e estou empolgado.

E deixo um abraço-fraterno e desejo uma semana cheia de saúde, paz e graça.

Como dizsem os caras do Los hermanos, "aponta pra fé e rema".

Inté!

lula eurico disse...

Vc me pegou agora, senhor Éverton. Conheço o Joaquim, mas nada ou quase nada li dele. Era engenheiro e calculista. Ajudou na construção de Brasília. Agora me pergunto: pq não li quase nada dele? rsrsrs
Isso é uma vergonha!
Mas vou me redimir dessa falha.

Grato, meu irmão mais novo.

lula eurico disse...

Dauri, irmão, que bom te ver!

lula eurico disse...

Vivian é uma imensa alegria te visitar. Teu blog me dá paz. Andei sumido mas tou voltando.

lula eurico disse...

Valdeir, caro Mestre.
Que tudo corra bem na tua missão. Que teus alunos te copiem o exemplo e a generosidade do teu coração, mano.

Abraço.

Elcio Tuiribepi disse...

Oi amigo...quanto tempo...obrigado por sua visita, por suas palavras...
Um poema conciente, mas que na verdade não causa nenhum remorso em quem de certa forma lhe causou essa tamanha inspiração...
Morre a natureza...sobrevive a floresta de concreto...até quando?
Um abraço na alma...boa sexta...bom fim de semana

lula eurico disse...

Elcio, amigo. Bom te ver.
A saúde vai voltando e as postagens tb.
Mas,
Deus me livre de achar culpados nesse drama. Somos todos responsáveis. Nossa civilização, nosso jeito de habitar, de construir, de criar utensílios, coisa arraigada e secular.
Agora, basta.
Precisamos mudar.
E como é difícil mudar depois de tanto tempo...

Anônimo disse...

Um vôo, exercício de mentes, de versos... Vôos que brincam na cidade inventando contos ao reverso!!!

Beijos

lula eurico disse...

Suzana, amiga que navega sempre para um Porto Seguro, bom te ver nessas águas recifenses!

Abraço fraterno.

www.pedradosertao.blogspot.com disse...

Olá, Eurico,

O poema recupera o que há de criador em nós.

Aproveito para dizer que a imagem me fez lembrar de um livro que acabou de ser lançado sobre a aviação brasileira: "1910 - O Primeiro Voo do Brasil", Escrito por Susana Alexandria e Salvador Nogueira, e que conta que não foi um brasileiro a realizar um voo em terras tupiniquins! abraço

Sueli Maia (Mai) disse...

É amigo por quanto tempo ainda respiraremos este ar irrespirável?
Só com poesia, Eurico.
O planeta agoniza e avanços são revogados em antipoema.

Grande abraço amigo querido.

lula eurico disse...

Minha amiga Pedra do Sertão,
de onde jorra a água boa da educadora comprometida com sua missão,
creio que a imagem é de um desses fantásticos loucos, que como o nosso Santos Dumont, nos tiraram os pés do chão. A fonte dessa imagem tá aí no rodapé da postagem.

Mas te deixo um abraço e agradeço pela visita.

lula eurico disse...

Mai,
amiga-irmã querida,
estás vendo minha volta ao blogue? Sintomas de melhoras, né! Nem lembro mais do que passei.
Volto às minhas tentativas de registrar poéticamente coisas que não são nada poéticas.
Tudo começou com o sobrevôo do Lula lá pelos Palmares (gosto dele, do Lula, e não espero que seja um santo, mas um político. Por isso, ao vê-lo em ação, lembro sempre de um antológico ensaio de Ortega y Gasset: Mirabeau, ou o Político. Excelente, como tudo desse filósofo espanhol)
Bem, estou prolixo e isso é um bom sinal. rsrsrs curto cada detalhe da minha saúde, até esse blablablá rsrsrs

Abraço fra/terno, amiga d'infância.

Anônimo disse...

Eurico

Dar essa voz poética ao que "não é nada poético" é papel de pessoas como você, graças a Deus.

Teu lirismo é pão dividido, partilhado, emprestado a tudo que abra os olhos por dentro das coisas e revele a alma delas, gritando o belo.

Um beijo, querido poeta.
.
.
.
Katyuscia

lula eurico disse...

Katyuscia,
irmã da beleza,
grato pelas tuas generosas palavras, que, vindas de uma poeta que vive a plenitude da sensibilidade, me fazem sentir maior do que esse pequenino ser que sou.
Bom ter poetas por perto!

Paula Barros disse...

Eurico, o seu texto tem a leveza das palavras, e a força necessária de um pensamento crítico, de um olhar profundo das incompetências humanas, das insensibilidades que nos assolam.

Gostei muito.

Envia para algum jornal para ver se eles publicam.

abraço

lula eurico disse...

Paulinha,
sei que és muuuuito generosa comigo. Mas muuuito mesmo, menina rsrsrs Os nossos jornais não se ocupam com esse tema. E o meu olhar, que faz um sobrevôo no pretérito de nossas dores, não é o que mais importa para a nossa sociedade. Veja-se a posição da ambientalista presidenciável, nas pesquisas. Meio ambiente não dá voto, nem vende jornal. rsrsrs Infelizmente...

Grato, e um abraço fraterno.