Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sábado, março 13, 2010

Eu-menino (pequena fauna poética)




Quando eu-menino ouvia
os lobos da ventania
soprando ovelhas nas nuvens.
Meu coração disparava
(me dava um medo esquisito,
seria isso um meu mito?)
e eu me abraçava, eu-menino,
a um vira-latas mofino,
que nem eu era, também,
franzino e desamparado.
E eu lhe dizia ao ouvido:
(não tenha medo, Bandit,
mamãe foi ali, na feira,
papai já vem do trabalho).

*
Quando eu estava inquieto
me acalmavam lebristas
que nadavam em garrafas
translúcidas, ornamentais.
Ornamentais, os meus saltos
de pontes imaginárias,
a mergulhar nesse rio,
heraclitiano rio,
que não parava, e não pára...

*
Por esse tempo ainda
me andava a alma contrita
com as sensações de meu corpo:
um tio meu criava porcos
e eu os via javalis;
Minha avó bordava rendas.
Trago os bilros dentro em mim,
e costuro pelo avesso
isso que ledes aqui.
Meu avô me dava livros:
Lobato, Andersen, Grimm.
Onde os trago?
E eu lá sei!

*
Mas emoções são perigos:
um dia quase me mato,
(se não fosse a borboleta,
a cochilar no casulo,
que me chamou a atenção...)
quase que, pássaro, pulo,
em queda livre e ligeira
do alto da pitombeira.
Mas não sabia voar.
Dançar? Dançar eu sabia,
essa dança ligeirinha
(umbigadas/rock and roll)
dos bodes nas cabritinhas,
bicho-do-mato que sou.

*
Vou lhes contar um segredo
há muito tempo guardado:
as emoções são crianças,
aprendem fácil a brincar
e gestam lendas e mitos
(que lhes sopram anjos bonitos)
de lobos, nuvens, cabritos.
Esses ditos viram escritos
que gente velha e sisuda
vai seu mistério estudar...

Se isso é poesia?
E eu sei lá!
*
Euricopoema sem data

*
A imagem é um esboço em papel de seda
para um óleo sobre tela de autoria
de meu saudoso avô Luiz Eurico de Melo

15 comentários:

Anônimo disse...

Eu tb não sei!
Só sei que terminei de ler com os olhos cheios de água me lembrando de coisas que só a alma sabe contar.
Bjs meu querido.

Profdiafonso disse...

Grande Poeta Eurico (LULA), bom dia!

É sempre um prazer ler suas produções e delas ter a sensação do que se queria dizer e não se conseguiu. Caçador de palavras que explicitam, nas entrelinhas, o não-dito.

Abs!

ps. Já adicionei o aplicativo, mas ao escrever: "Leia também", o danado só fala em "ingrês". No seu aplicativo, a expressão está em português. Como fez?

lula eurico disse...

Pois é... deve ter um menu lá no site original, para escolher o idioma. Eu não lembro. Chutei e deu certo... kkkk

Abração

Soninha disse...

Olá, Eurico...

O menino que sonha e que faz poesias...que faz poemas...
Que legal este seu dom!
Quisera eu poder falar em versos...quisera ter o dom de fazer poesias.
Mas, fico aqui, em minha humilde condição de prosear.
Adorei seu poema.
É poesia? Sei lá!
Que importa? É belo...
Parabéns, Eurico.
Excelente semana pra você. Bom trabalho.
Muita paz! Beijossssss

Valdeir Almeida disse...

Eurico,

Muito bonita o seu memorial através de versos. E a imagem desenhada pelo seu avó arremata sua história.

Parabéns.

Claudinha ੴ disse...

Sim é poesia! Eu menino, que nos encanta com sua lira! Adorei também o esboço (mas parece trabalho finalizado) de seu avô. Um grande artista!
Beijo!

Vivian disse...

"as emoções são crianças,
aprendem fácil a brincar
e gestam lendas e mitos
(que lhes sopram anjos bonitos)"

boa tarde, anjo poeta!

bjs encantados!

lula eurico disse...

Oi, Claudinha,
meu vovô sempre fazia uma aquarela sobre papel de seda, antes de pintar a óleo sobre a tela. Parece que testava as cores. Esse esboço eu herdei, entre tintas e velhas gravuras dele, além de sua pequena biblioteca...

Abraço fra/terno

lula eurico disse...

Grato, Vivian,
mas entre mim e o anjo existem milhares de anos-luz de distância... hehehe

Elcio Tuiribepi disse...

Oi amigo...mas que poema mais bonito, cheio de infãncia, inocências e ingenuidades próprias do mundo infantil, quando o mundo infantil era infantil de verdade...rsrs
Bonita também a arte de seu avô...
Meu pai era um bom desenhista, meu irmão do meio puxou dele este talento e com o tempo aperfeiçou seus traços e agregou outras artes ao seu talento...
Sei lá...mas ao te ler a sensação foi muito boa...dá um sentimento de alegria, de coisas simples, mas que dinheiro nenhum do mundo pode pagar...rs
Um abraço na alma...bom fim de semana...bjo no coração amigo...

lula eurico disse...

Grato, Élcio.
Boas falas, amigo...

Ilaine disse...

Eurico!

Isso é poesia e nela dancei. Rodopiei pelo tempo e me tranformei menina, uma criança que incorporava Grimm nas páginas cheias de fadas.

Você é um grande poeta!
Beijo

lula eurico disse...

Oi, Ila, amiga-irmã...
bom te ver por aqui.

Grato, amiga.

Abraço fra/terno.

Jens disse...

É poesia, Eurico. E da boa. Lembrou-me alguns versos de Drummond.
***
Um abraço, Johnny Quest (o fiel companheiro de Bandit).

Rejane Martins disse...

Caro Eurico,
Ao viajar ponto-atrás neste bordado que aqui leio, teço contigo essa urdidura e bem fez de não colocar data, assim permite o escape do tempo, na vontade de conhecer teu avô, tua avó e tu-menino - como se eles ainda estivessem em teu convívio... e de alguma forma isso fica possível através deste poema.