Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quarta-feira, maio 06, 2009

UMA CRIATURA - Machado de Assis






















Sei de uma criatura antiga e formidável,
Que a si mesma devora os membros e as entranhas
Com a sofreguidão da fome insaciável.

Habita juntamente os vales e as montanhas;
E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.

Traz impresso na fronte o obscuro despotismo;
Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.

Friamente contempla o desespero e o gozo,
Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.

Para ela o chacal é, como a rola, inerme;
E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.

Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.

Pois essa criatura está em toda a obra:
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto;
E é nesse destruir que as suas forças dobra.

Ama de igual amor o poluto e o impoluto;
Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte; eu direi que é a Vida.


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Taí, Rosimeri Sirnes, um poema de teu conterrâneo,
só pra te mostrar a punjança desse incomparável vate,
em cujo estro a Língua-Mátria se engrandece.
Quem sou eu, menina, diante desse Mestre?

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Fonte da mid: (do tb conterrâneo da Rosi, Gonzaga Jr.)
http://www.belasmidis.com/Nacional/Gonzaguinha/OQueEOQueE.mid


Fonte da imagem
:
http://luaafricana.blogspot.com/2007_09_01_archive.html

Fonte do texto:
http://www.antoniomiranda.com.br/Brasilsempre/machado_de_assis.html


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18 comentários:

Rosemeri Sirnes disse...

Adoro Machado! Ah! Dá uma passadinha no meu blog, tem uma homenagem a você e ao seu lirismo doce e cadente(rs). Beijos

Paula Barros disse...

Magnífico. E gostei pensar sobre a questão de morte e vida para um mesmo fato ou momento.

Uma boa dica a programação do domingo, vou tentar me organizar com minha filha e se for o caso te ligo.

E o festival da seresta, está animado?

beijos para você e Kelly.

Fabiano Silmes disse...

Realmente isso é coisa de um mestre...Este é com certeza um daqueles poemas que diezemos que foi escrito com P maiúsculo...
Salve Machado de Assis e todos aqueles que adimiram o trabalho deste colosso da nossa literatura.

Abraços.

Dora disse...

Eurico. Volto aqui para comentar seu post.
Só vim lhe contar que dediquei um texto a você, lá no Pretensos.
Beijos.
Dora

Dora disse...

Eurico. Belo poema, sim! A vida parece sinônimo de morte e não o seu antônimo! Porque, se a gente coloca o pensamento forte na visão da realidade, vai percebendo, que cada minuto vivido, é "um a menos" para o encontro fatídico...Morte e vida caminham juntas. Uma cede terreno à outra, devagarinho, para que os viventes nem percebam.
E Machado filosofa em Poesia,
sobre essa enganosa aparência: a morte se veste de vida. Os frutos doces e rubros de uma macieira são o retrato da vitalidade. Passe, ao pé dessa árvore, algum tempo depois, e sentirá o odor da podridão e o acre rastro das frutas murchas e enrugadas. A aniquilação chega e usurpa a idéia inicial...
Sabemos disso. Todos nós. Mas, escrever com esse estilo é saber enganar a morte. Machado fez isso. Está aqui, vivo em nossa conversa...
Beijos.
Dora

Dauri Batisti disse...

Belo post. É sempre bom ler os clássicos, como disse Calvino.

Um forte abraco.

lula eurico disse...

Vim de passear pela blogosfera, e trago um ego enorme, um "egão", todo lampeiro das homenagens que recebi da Dora Vilela e da Rosimeri Sirnes.
Quem é que não gosta de carinho?
Eu gosto, e, apesar de estar lutando contra o apego a certos "teres e haveres", buscando eliminar certas ilusões do ego, não pude resistir a uma pontinha de vaidade! rsrsrs
Fazer o quê. Humano, sou!
Só quero agradecer mais uma vez, a essas duas irmãs dessa mesma confraria de poetas, pela homenagem, que é fruta doce e saborosa, saída de dois corações generosos por demais.

Abraçamigo e fraterno.
Saúde e paz!

Canto da Boca disse...

E agora? Eu vou dizer o quê? Duma lapada só, encontro: Machado, Eu-ri-lí-(ri)co e a Dora? Que ousada criatura eu seria, se dissesse uma cousa que seja aqui nesse espaço de pura e aplicada poesia?
Mas um abraço fraterno de grande alegria eu posso deixar, não posso?
;)

lula eurico disse...

SEja bem-vinda, vizinha d'além mar! Abanque-se sob a sombra dessa árvore que eu trouxe de África e descanse as pestanas queimadas pelas leituras para as teses doutorais...
Abraçamigo e fraterno.

Luis Eustáquio Soares disse...

salve, querido poeta, que o igual amor à esquerda e à direita, é desigual amor, iso é, é morte no lugar da criação; é é submissão no lugar da liberação; é roubo no lugar da cooperação é da comum distribuição.
meuabraço,
luis de la mancha.

Canto da Boca disse...

http://max-etnias.blogspot.com/

Vizinho, trouxe algo para ti... Uma beleza só!
Obrigada pelos desejos, votos, carinho e vamos escrevendo, pq escrever é preciso (?), viver nao (plagiando o poeta).
Domingo feliz!
;)

Fernando Rocha disse...

Eurico: Sou um leitor do blog da Rose, como ela escreveu um texto em sua homenagem, resolvi conferir o seu trabalho, o qual achei bom e de fato acima da média dos blogs que publicam poesia, inclusive do meu.
A terceira estrofe de fato resume bem a obra do Machadão, Parabéns!

lula eurico disse...

Grato, Fernando. A Rosimeri foi muito generosa comigo. Jamais vou poder agradecer-lhe a postagem que fez em homenagem desse poeta bissexto e menor.

Abraço fraterno.

Luis Eustáquio Soares disse...

querido eurico, agradeço a presença, sempre sutil e inteligente, poeticamente. aproveito pra saber se chegou a ler o imeio q te enviei, falando um pouco dos pés...
meuabraço,
luis de la mancha.

lula eurico disse...

Luís,
Não li, mas vou lá ver se acho.
Abraço.

Sueli Maia (Mai) disse...

Oi, amigo.

Belo, imensamente belo e faz pensar...Te dizer que parei e lembrei do poema de Goular e tudo é mesmo uma questão de vida e morte.
Isto é ARTE, querido. Arte!

Recebe meu abraço,
Mai

Ester disse...

Oi amigo Eurico,

Um Machado cortante, emocionante! E essa bela paisagem,
sublime!

Abs,

Rejane Martins disse...

Machado visto pelo teu ângulo é de tirar o fôlego, Eurico. A gente viaja na influência do Bruxo do Cosme Velho na tua escrita.