Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sexta-feira, abril 03, 2009

Via Láctea (uma berceuse para gente grande)




(Deus é o cognoscível?)
Sondava eu, certa noite,
ouvindo a luz das estrelas...

***

No escuro, as coisas baldias
me apontam faces bizarras:
miúdas formas jogadas
na vala comum dos dias;
olhos ambíguos de um gato,
a lucilar na penumbra
de uma viela sombria.

(Há, nessa homérica bruma,
algum portal para o logos?)

Crianças brincam ciranda,
nas cercanias de um templo,
bailam com o imprevisível,
giram com a eternidade.
E eu, imerso no plausível,
tento abrir o impermeável
véu dessa totalidade.


(Se um prius alberga os saberes,
cadê a clave da origem
cognoscível dos seres?)

***

Do umbral de minha janela
ouço luzirem estrelas
há anos-luz, como Deus,
na Sua hermética auréola.
E me inquieto, por vê-las
inacessíveis, mas belas.

***


Eurico
poema sem data
***
Fonte da img.:
thecorner.org/.../postcard/images/starsky.jpg

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9 comentários:

C@uros@ disse...

eu caro Eurico, muito me honrou receber o seu gentil comentário, não sou poeta, nem escritor, talvez um leitor atento e às vezes compulsivo que ama poesia. Que belo poema, para iluminar a noite de mil estrelas, parabéns pelo seu blog. Estarei sempre por aqui.

Paz e harmonia em sua vida.

Forte abraço

Caurosa

Paula Barros disse...

"ouvindo a luz das estrelas..."

Portanto, desejo que escute o mistério de Deus.

abraços, bom final de semana.

Alisson da Hora disse...

Musical e profundo...

obrigado pela visita. ;)

Elcio Tuiribepi disse...

Bom dia Eurico, é verdade amigo, acho que com o fim da didatura, a nossa MPB caiu um pouco quanto as inspiraçôes...mas inda assim ainda prefiro, embora hojeem dia não sejam tão completas tano na letra quanto na melodia
"E eu, imerso no plausível,
tento abrir o impermeável véu dessa totalidade".
Gostei disso, sinto como se fosse uma vontade expandir, alcançar algo mais além...belo poema...um abraço na alma...

Dauri Batisti disse...

Que coisa bonita você escreveu! Admiro este modo de escrever. As questões que você levanta são também as mesmas que atravessam meu coração, mas eu jamais saberia escrever assim. Parabéns.

lula eurico disse...

Dauri, Poeta... que é isso? Sei que tens essa generosidade comigo, mas, teu estilo é estonteante. Vc capta das coisas uma visão que só vc alcança... vc é Poeta, eu, um conceptualista. Não consigo atingir o cerne das coisas como vc, amigo. Bem, mas sou obrigado a escrever e escrevo isso que lês: inquietações.
Abraçamigo e fraterno.

Ah, não sei se já te disse isso, mas, tive um parceiro de composições ao violão, ainda adolescente. Com ele, lembro agora, eu trocava as mesmas impresssões que troco contigo, Poeta.

Abração, amigo.

Sueli Maia (Mai) disse...

Ah! amigo d'infância...

Eu leio e releio e paro diante das palavras e esse teu Eu-Lírico perambula pelo meu juízo a martelar palavras, sibilos, sons...

Uma beleza que me transporta nos séculos na magia da lingua portuguesa.


E brindo a tua genialidade.


Carinho,

Mai

lula eurico disse...

Brinde à minha transpiração, amiga! Nada de genialidade. Sei a medida dos grandes poetas, e, sem falsa modéstia, sou um poeta menor.
Mas, transpiro muito, há uns 40 e poucos anos na luta mais vã drummondiana: luto com as palavras.
Mas agradeço teu carinho.

Rejane Martins disse...

...tão sem palavras, tanta luz acumulada por aqui - tanta!
Meio em casa, meio com minha cisma de sempre, e na lonjura de semitom em ré pra atingir sol sustenido.