Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

domingo, abril 05, 2009

Broa (poema-escorzo)























...trazia a fome dos náufragos na mente,
e, de repente,
o gesto atávico invade o trivial:
alçou até a boca um biscoito,
subitamente antiqüíssimo,
num automatismo quase ritual...




...emerge
em mim, remoto, um mot
:
broa
brote

brood
broot

(O gato dorme no convés...)

Talvez um déjà vu;
Um insight?
A brisa sobre o yacht.

Saudade...

Eu lanço um boat.




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11 comentários:

Sueli Maia (Mai) disse...

Esse "Broa" é bastante sonoro.
Pareceu-me letra de música de tantos sons... Uma língua-ouvido.

Outra vez, gosto muito.

Carinho,

Mai

lula eurico disse...

Mai,
Vc tem bom ouvido. Há música aí mesmo.
Mas há uma coisa oculta. O segredo está nos vocábulos de várias partes do planeta. Vocábulos guardam uma arqueologia de séculos. São arcaicos, avoengos, como essa Broa e a Saudade, né? rsrsrs
Mas não posso estar aqui a tratar do meu processo criativo. Credo! Isso num está certo!

Beijo.

Paula Barros disse...

Seu processo critivo é muito peculiar. E fico apreciando.

uma linda semana.

abraços

Ester disse...

Que delícia de texto,
senti-me no navio, ao sabor
das ondas e quase pude ouvir o
ronronar do gato no convés..rs

O segredo fica para vc e
nos resta sentir tua poesia,

Abraço e desejo-lhe uma semana
de muitos bons insights!

lula eurico disse...

Paulinha e Ester, gosto das visitas de vcs. Pra Paula eu digo que o estilo somos nós. Algo vital e enraizado.Nem é belo, nem é feio. E eu adoro o teu estilo, pq ele é vc mesma, autêntica. Tuas fotos têm estilo.
Ester, (teu nome é sem h né? gosto de grafar palavras antigas...rs)Bem, Ester, quase não falo do navio, né. Isso é o escorzo. Apenas a perspectiva da coisa representada, com alusões, com indícios. E, só estou tocando no processo criativo de novo, pq vc viu ondas e ronronar do gato, compondo outros elementos às minha elipses... rsrsrs
Grato às duas.
É bom ser lido, sabia?
Boa semana, amigas.
Sejam sempre bem vindas.

Carlinhos do Amparo disse...

Sobre teu processo criativo falo eu, compadre. Estás desobrigado de falar:
Essa palavra, escorço, já ouvi de ti, em outras prosas que tivemos. O termo escorço (escorzo) deriva do italiano scorciare, com tradução literal para encurtar, abreviar, resumir.
Mas, convivendo com os artistas d’Olinda, aprendemos escorço, pelo modo que o tratavam os gregos, como perspectiva, tridimensionalidade, conceito ligado às questões da representação e da composição em pintura ou desenho; questões essas retomadas, depois, pelos Renascentistas.
Sei, no entanto, que ao definir esse texto como poema-escorço, não estás a falar da perspectiva meramente visual.
Trata-se da profundidade intelectual.
Aquilo que se obtém verticalizando a leitura, buscando enxergar além da superfície do texto, ou seja, buscando intelligere, ou ler dentro. O escorço, portanto, transforma a superfície da coisa (seja uma pintura, um poema, uma escultura) em algo virtualmente profundo. A obra de arte ganha, assim, uma terceira dimensão.

Ler Broa sem fazer um esforço de perspectiva, sem perceber o que há de escorço no poema, a tentativa de tridimensionalidade intelectual, deixará o leitor com um mero biscoito naval entre as mãos, visão rasa, superficial da massa bolorenta e amarga. Um simples biscoito e nada mais.

Poema-escorço é também poema-alusão, potencializando as pequenas coisas visíveis no texto, breves mas densas, em sua perspectiva de profundidade temporal (histórica), espacial (geográfica), visual (gráfica) ou até auditiva (musical), e, por que não dizer, num sentido amplo, sinestésica.
Precisa-se também atentar para a etimologia dos verbetes, que, tão ao teu estilo, costumas chamar de arqueologia.

Creio que foi isso que discutimos dia desses à sombra de uma mangueira frondosa e centenária, lá no Sítio d’Olinda.

Abraço, meu compadre.

Dauri Batisti disse...

A daudade é um bote. A saudade, as vezes me dá um bote, como cobra. Mas a saudade nunca me ofende. O ataque da saudade me embarca por ai.

Não sou generoso não: é bonito.

Abraço,

Dauri

Ps.: Fico feliz em ser o bote que te leva pelo mar que te traz teu antigo parceiro de composições.

Dauri Batisti disse...

Estive lendo os comentários. Uma aula. Vou aprendendo. Grato.

lula eurico disse...

Deixa disso, Dauri. Essa troca de comentários mos enriquece a ambos. Isso é a verdade.
Mas vc cria e eu apenas teorizo.
Estou a experimentar algumas coisas que aprendi lendo os teus "issos".
E cheguei ao escorzo, meio oblíquamente, aprofundando a leitura no Essa Palavra. Não é á toa que o verbete é italiano. rsrsrs
Abraço fraterno.

Ester disse...

Entendo muito pouco das suas palavras difíceis, querido amigo!

Mas o interessante é poder fazer muitas leituras diferentes de um mesmo texto,

vc acrescentou um exuberante gato preto à sua postagem, e sou fascinada por eles..
imagens falam por si, fica mais fácil..


beijinhos,

lula eurico disse...

Ester, esse é o meu calo. Eu sou isso aí. Li demais desde a mais tenra infância. E peco pelo hermetismo no que digo. Tento, me esforço, mas não dá pra ser tão diferente do que faço.
Mas não deixe de vir. Sou tão simples, pessoalmente, que vc nem imagina. Pergunte a Paula Barros, ou à Cecília. Elas me conhecem e poderão dizer que não tenho, nem de longe o estereótipo do intelectual. Até pq não sou.
Receba meu abraço e minha alegria pela leitura que fez do meu poema-escorzo. Vc disse exatamente o que queria ouvir daquele telegrama poético. rsrsrsrs
Abraço fraterno.