Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Cachaçaria filosófica
















Joseph era um estudante nigeriano da UFRPE, onde trabalhei até 1996. Falava um Português com sotaque carregado, mas de boa qualidade. De boa qualidade também era a cachaça que o negão Joseph, filho de deputado federal em seu país, degustava com frequência. Nossa amizade nasceu na mesa do bar Conterrâneo, sugestivo nome dado pelos alunos da Universidade Rural, egressos, em grande parte, do interior de Pernambuco.

Em uma de nossas conversas etílicas, disse-me o Joseph que seu povo falava Inglês, mas que dezenas de dialetos africanos também eram falados por lá. Fiquei curioso em saber, já que ele falava Português cotidianamente, em que idioma seriam os seus pensamentos e sonhos. Nem lembro agora da resposta do Joseph. Não tem importância. Essa era mesmo uma pergunta etílica, própria de mesa de bar.
Resgatei parte dessa conversa, ao tratar a idéia dessa postagem:

Penso com as mãos, com os olhos, com os ouvidos, com o corpo todo, dizia-me Joseph, citando um dos heterônimos de Fernando Pessoa.
Eu então retrucava: Isso vem ao encontro do Ortega y Gasset, que concebia uma razão vital, em oposição aos que concebem a razão como uma coisa separada da vida e de suas pulsões, escrava das leis da lógica e da matemática:
"como se a razão não fosse uma função vital e espontânea, da mesma linhagem que o ver ou o apalpar!"

Por ser a razão forma e função da vida, como queria Ortega, Joseph diz que não pensa, e sim, vive. Pensamento e vida, para ele, não são excludentes, compenetram-se. São a mesma coisa. Pensar, ou seja, saber a que se ater, o que fazer com a vida e suas possibilidades, é mesmo ir vivendo, pois não somos meros observadores da vida em seu fluir. Fluímos nela.

Essa integração entre pensamento e vida é a primeira forma de integração na natureza, é a ecologia mais profunda, enraizada nas tribos de África, de onde veio o nosso Joseph, e que nos curará da doentia percepção de que estamos fora do meio ambiente.

Joseph estuda Agronomia, sem pressa de concluir o curso. Adora a cachaça pernambucana. E não quer mais voltar para a Nigéria. Quer plantar canaviais em Pernambuco e produzir aguardente natural, em alambiques de barro.
Um dia Joseph vai viver a Agronomia e essa ciência vai ser a sua cachaça. E que importa em que dialeto Joseph irá expressar seu pensamento? Joseph fará a vida funcionar, ou seja, viverá e só. Joseph é um raciovitalista convicto. Se todos pensarem como Joseph, ou seja, viverem integrados à natureza, o planeta estará salvo. E preservaremos, junto com o planeta, a boa cachaça pernambucana...rs
Salve o Joseph!
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Em tempo: o hilário filodoxo Carlinhos do Amparo não perde a piada e quer convidar o Joseph pra criarem a Cachaçaria Filosófica d'Olinda, em oposição ao Café Filosófico, do Paço Alfândega, no Recife. rsrsrs

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A imagem é de um canavial pernambucano.

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8 comentários:

FERNANDINHA & POEMAS disse...

QUERIDO EURICO, GOSTEI MUITO DESTA CRÓNICA... MARAVILHOSAS AS TUAS PALAVRAS AMIGO!!!
UM GRANDE ABRAÇO DESTA TUA AMIGA FERNANDINHA

Soninha disse...

Olá Eurico!

Uma cachaça pernanbucana, feita pelas mãos nigerianas e com um bom sotaque, seja ele qual for, só poderá sair a melhor cachaça, com certeza.
Guarde um litro pra nós degustarmos, heim?! kkkkkkk
Meu amado Miguel é quem aprecia uma boa cachaça.
De minha parte, adorei poder ler sua história.
Abraços em Joseph. Abraços, Eurico.

Muita paz!! beijossssssss

Cecília disse...

Adorei a crônica, Querido Amigo!

Sabe que estive lá no Conterrâneo em meados de maio?!?!

Beijo Grande!!!!

Sueli Maia (Mai) disse...

Excelente!



E por falar em cachaça, tenho uma coleção das melhores.
Algumas são mineiras mas tenho Pitu Gold que renovo estoque a cada visita ao solo.
Boa idéia teve o Carlinhos.

Abraços.
Gostei muito de te ler assim.

Canto da Boca disse...

Eita Eurico, esse post é mais que minha realidade aqui, sao os eternos finais de semana regados por todas as fórmulas e formas etílicas, quando estamos no convívio da cantina da FLUP, ou em casas de amigos ao redor da mesa degustando uma cachupada e das boas conversas, seja em macua, crioulo, suarrile, português, inglês, espanhol ou alemâo, todos juntos compartindo a vida, da vida, e naturalmente a geografia e a poesia de cada nação, é também o pão e a cachaça. Sobrevivemos às saudades e cada um, uma com a sua preferência etílica. Mas a filosofia é sempre o prato principal.
Abraços, vizinho.
;)

Paula Barros disse...

Eurico
tudo bem?

Gostei demais. Me pareceu uma integração do ser com a sua própria natureza antes de tudo.

abraços

Dauri Batisti disse...

Belo texto Eurico. Belo na forma e no sentimento, na propósito e na poesia do olhar o mundo.

Parabéns.

Abraço.

Cecília disse...

Oi!
Passando pra dizer que tem um selinho pra você lá no Happiness!

Beijinhosss