Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

quinta-feira, janeiro 01, 2009

Canção do Mar - um déjà vu?

















Canção do Mar
na voz de Dulce Pontes

Fui bailar no meu batel
Além do mar cruel
E o mar bramindo
Diz que eu fui roubar
A luz sem par
Do teu olhar tão lindo

Vem saber se o mar terá razão
Vem cá ver bailar meu coração

Se eu bailar no meu batel
Não vou ao mar cruel
E nem lhe digo aonde eu fui cantar
Sorrir, bailar, viver, sonhar contigo
Vem saber se o mar terá razão
Vem cá ver bailar meu coração

Se eu bailar no meu batel
Não vou ao mar cruel
E nem lhe digo aonde eu fui cantar
Sorrir, bailar, viver, sonhar contigo


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Anda reverberando em minh'alma essa prosódia, esse sotaque , essa silabação encadeada, entre linguodental e bilabial, da fadista Dulce Pontes,
em que oiço, ao longe, feito em déjà vu, canções mediterrâneas.
Ruas de alfamas, vielas da mouraria: um espi/olhar arqueológico (em velhos álbuns),
ou mesmo um curiosear deambulatório à Fidelino de Figueiredo:
O que tens minh'alma que buscas povoações celtíberas,
campanários góticos, balcões moçárabes?

O que ecoa ao norte de mim mesmo, o surdo ribombar das legiões romanas sobre a Ibéria?
O que oiço em lembranças do não-vivido?
O hinos sacros do Eurik, que de seu presbitério, vislumbra o alarido de Tárique, acometendo sobre um Ruderik enfraquecido:
Allah hu acbar!

Tudo isso e a algaravia do miscigenado vozear dessas culturas que permeiam essa, subitamente antiquissima (al moiraria...), Canção do Mar,
com que retorno à língua mátria,
rumo à frátria...
Não à frátria ateniense, belicosa e armada contra o Outro,
mas à fraternidade tribal e irmã.
Rememoro aqui, outrora e agora ,
aquela arcaica voz, serena e lusitana,
de, quem sabe, um Quinto Império, lusófono e espiritual.

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Para ouvir de a Canção do Mar com Dulce Pontes clique em:


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8 comentários:

Canto da Boca disse...

Que felicidade! Como somos o que sentimos e verbalizamos, Eu-ri-líri-co, forever! Li-te, senti-te e emocionei-me... O que sentes é tao tangível que de um modo muito meu, senti teus sentimentos. Semana passada em Lisboa, e passando por meus olhos, alma e coraçao tantos desses sentires, a Lisboa moura, da silabaçao encadeada, a Lisboa velha, a Lisboa nova, ou caminhando pelo Chiado e deslumbrando-me com a vida que também por lá caminha, a estátua de Pessoa, tao viva, tao vivo a contemplar mundos... E o sotaque luso, tão luso, tão difuso do meu, mas tão em confluência, tão em abrangência... Dilatado, dilatando...
...E na passagem de ano (que chamáramos de ONU, uma analogia às diversas nacionalidades presentes), ontem, todos estrangeiros, longes de suas gentes, mas com todas dentro-em-nós, apesar da multinacionalidade, falávamos a mesma língua: do amor, da fraternidade, da solidariedade (caboverdianos, chilenos, congoleses, brasileiros, mexicanos, peruanos, portugueses), mas em harmonia, celebrando a vida, o ano que ia, e cheios de esperanças, desse que acaba de chegar. E vibro, e vivo, meu amigo Tãolírico todas as possibilidades que construo e as que me escaparam pelas maos... E o que te desejar? O mínimo que mereces: saúde, paz, amor, felicidade, amizade, harmonia, tranquilidade, junto com à sua família, e dinheiro para pagar as contas, mas para todos os dias.
Um 2009 iluminado e iluminante!
Abraço imenso e um beijo estalado na testa!

Sueli Maia (Mai) disse...

Olá, amigo.

E neste tempo em fatias, recomecemos...
Se eu te dissesse que esta música já fez parte do repertório que eu cantei, quando, da noite, fui cantante, acreditarias?
E se além disto eu afirmasse que ensaiava um 'sotaque' lusitano, acreditarias?

Mas é verdade.
Amo esta canção!
Não faz tanto tempo assim que cantei na noite, voz e violão.

Bem, na vida podemos fazer de
'um tudo'...
Qual era o meu cachê?
Não te diria, jamais...

Amigo, dèjà vu ou não...
Muito bom abrires o novo tempo, com coisas boas de outro tempo.

Carinho, sempre.

lula eurico disse...

Sim , Boca amiga, creio nisso, por isso verbalizo essas estranhas sensações. Sou isso. E sei que essas coisas forjam a minha humilde poética. Mergulho no tema, mergulho na psicosfera de um tema, e depois me vem a escrita. Psicografo? rsrsrs

lula eurico disse...

É isso, Mai, querida conterrânea, são essas vozes galegas, essas violas árabes, essa mística celtíbera, esse tudo que nos enforma alma, que nos possibilita ser o que somos; conterrâneos, embebidos na mesma cultura, eu diria, na mesma multicultura, e com o sotaque tão galaico-português de nossas ruas. Vide o nosso óxente, tão avoengo, né?
Beijo d'amigo.
Paz.

Paula Barros disse...

Eurico

Que música linda. A melodia dela me fez sentir num barco a navegar.

Tenho me sentido assim com relação aos portugueses que me visitam, ando mais por lá, do que por cá.

abraços

Dauri Batisti disse...

Muito lindo o que você escreve, descreve, sentimentos, laços espirituais que se mostram pelos sons, pela sílabas, pelas vozes e canções. Laços com um tempo perdido mas sempre ao alcance do coração. Tempo passado mas sempre presente, como possibilidade de ourives, escolha de formas e cores para a joia a ser feita.

Aqui se aprende. Sempre.

Abraço.

dácio jaegger disse...

Eurico, é um brinde esta canção; acredito que afete principalmente os que tem seu presente viver ligado à formação lusa de tantas raízes. Por meu lado materno minha gente veio de Portugal há quatro gerações. Há um atavismo, no sentido figurado, que nos perturba o sensório e provoca um certo estremecimento com os sons mais do que com as palavras. Gratificante encontrar este fado e dele separar “ Fui bailar no meu batel
Além do mar cruel”, e vislumbrar o início da saga portuguesa para além do Mar Tenebroso. Feliz 2009, um forte abraço.

FERNANDA-ASTROFLAX disse...

Querido Eurico, quero dar-te a conhecer os meus mais recentos blogues Amigo... Deixo-te um grande abraço de amizade,
Fernandinha