Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

domingo, dezembro 14, 2008

Mátria Nº 5 - Eulália - (um fado, afinal)






























OIÇO um canto de fadista.
És tu que cantas,
A essas minhas esp’ranças,
Que são tantas:

Sons em voz de lusitana
rapariga
...trazes, dos mediterrâneos,
as cantigas,
feito rios subterrâneos
de água amiga,
que escorrem, escondidos,
Deus o sabe,
à foz, em mar cristalino
do Algarve...

***

É teu, o aceno triste
de saudade,
no lenço branco que vejo,
vindo dos balcões moçárabes?

***

Um dia fiz duas trovas
com sotaque visigodo,
numa eufonia de motes,
lamentando a pouca sorte
de meu coração tão doudo:

I
A saudade singra os mares
Desviando dos abrolhos
E se alimenta dos ares
Da lembrança dos teus olhos.

II
Ontem foste campesina
A ouvir cânticos mouros;
Já te encontrei concubina
Dum sultão lúbrico e louro.


***

Todas as linguagens trazes
numa etimologia
de cristais
em fonemas aéreos e vocálicos;
musicais.

Música aleatória e vária
em plangentes alaúdes:
ai! mouraria!
Potros, selins, bandeirolas,
A festejar tua vitória
Que é tão minha!

Vielas da Albufeira:
Casas lavadas de branco.
Quanta luz!

Não adianta chorares
Quero cruzar verdes mares,
com essa cruz.
Eis as velas triangulares
de uma fragata ligeirinha
que, por fé, minha rainha
batizara de... Jesus.

***

É teu, o aceno triste
de saudade,
no lenço branco que vejo,
vindo dos balcões moçárabes?



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A imagem, cujo sítio originário está nela linkado,
é da Albufeira, região de Algarve, Portugal,
último recanto luso tomado aos mouros.
Derradeiro nicho de resistência da Língua Portuguesa,
embora não se negue a riqueza dos empréstimos linguísticos
da cultura árabe.

Ave, Mátria!!!
Ave, nossa Língua Portuguesa!!!


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7 comentários:

lula eurico disse...

Cantem com Dulce Campos, por favor. O sotaque puro a faz juntar as sílabas e pra nós brasileiros nos parece uma outra língua. Ouçam, pois, os fonemas dessa Língua Portuguesa:

Canção do Mar

Fui bailar no meu batel
Além do mar cruel
E o mar bramindo
Diz que eu fui roubar
A luz sem par
Do teu olhar tão lindo.

Vem saber
Se o mar terá razão
Vem cá ver
Bailar meu coração.

Se eu bailar no meu batel
Não vou ao mar cruel
E nem lhe digo aonde eu fui cantar
Sorrir, bailar, viver, sonhar contigo.

INSTRUMENTAL

Vem saber
Se o mar terá razão
Vem cá ver
Bailar meu coração.

Se eu bailar no meu batel
Não vou ao mar cruel
E nem lhe digo aonde eu fui cantar
Sorrir, bailar, viver, sonhar contigo.

Unknown disse...

gostei...
parabens pelo blog
carla

lula eurico disse...

Errata: onde acima se lê Dulce Campos, leia-se Dulce Pontes. Belíssima cantora, em todos os sentidos.

FERNANDINHA & POEMAS disse...

Olá querido Eurico, belíssima foto e um poema maravilhoso... Umanoite feliz... Beijinhos de carinho e ternura,
Fernandinha

Sueli Maia (Mai) disse...

Bem, hoje estou um tantinho triste.
E esses versos ampliaram-me o peito.
Esta canção, eu já cantei em um show que fiz nas noites...
E amo.
Tenho um irmão que mora ai, que toca como poucos, ele, tocava comigo, esta canção.
E, muitas vezes bailei...
Mas hoje, queria alguma coisa menos dorida, sabes...
Teu texto está um primor.
Tudo se completa.
Mas...
"Há canções e a momentos"

lula eurico disse...

Num outro momento voltarás a ler e verás que a Eulália é plurissignificativa, multifacetada. Ela é a a que atravessou os tempos e chegou a nós, sonora e bela. Escolhi a Dulce Campos, como poderia ter sido a Mariza. Com o sotaque carregado para que ouvíssemos a Eulália soprada do peito de uma fadista. A Eulália continua linda!!!

lula eurico disse...

Ah, poderia ter sido a Amália Rodrigues, de quem sou fã. Mas queria a voz da nova geração do fado. Queria a pronúncia e o timbre de hoje, para ouvir os belíssimos fonemas, a eufonia, da Eulália!!!