Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

terça-feira, maio 27, 2008

Cantiga da Flor de Cacto




Há um logos da caatinga
que me circunda e sou eu.
Nessa flora estiolada,
palpita um nervo de D'us...

Fiz inúteis cavalgadas
a procurar quintessências.
Regressei de mãos vazias.
Minha alma então cansada
de deambular por chapadas,
cruzando o sertão bravio,
voltou-se pras minudências,
e desvendou, ad-mirada,
na flor que enfrenta o estio,
o mistério da existência.
Quase palpei com as pupilas
a miúda flor de cacto,
essa líquida ironia,
que umedeceu minha alma.
E a divindade, buscada
por inacessíveis plagas,
brotou ao alcance da palma
de minha mão estendida,
na flor da beira da estrada.

Há um logos da caatinga
e o que me circunda sou eu.
Na vegetação rasteira,
palpita um nervo de D'us...
***
N. do A.: cantiga dedicada aos poetas blogueiros,
cuja clareza textual me faz buscar a simplicidade,
que julgo não alcançar, mesmo nessa espécie de xote.

***
fonte da img.:
.

quinta-feira, maio 22, 2008

Tupã m'tói



No princípio era o medo, pavor original...
*
Verde lama genésica, pântano mítico,
profundo e verde Tempo Anterior...
*
Um nume tremeluz sobre a maré sombria.
Relampejam augúrios do Trovão:
Fulgurações aórgicas, protopoíesis.
Undialvas palavras acopladas
na aurora da forja transumana.
*
Eis o nada que é tudo!
Coruscante, rasga os céus
um grito brilhante e abrupto.
O estrondo vivo de Deus
ab absurdo.
...


Eurico
poema sem data

sexta-feira, maio 16, 2008

Pra não dizer que não falei das dores...





















Peso aos Habitantes dos Outeiros, no Ano da Graça de 1993

"Então disse eu: Melhor é a Sabedoria do que a Força,
ainda que a sabedoria do pobre é desprezada,
e as suas palavras não são ouvidas."
** ****** (Eclesiastes IX, 16)


Quando o mais frio dos monstros subir essas ladeiras,
criatura abstrata e furiosa,
escalando escadarias,
salpicando estrelas sanguíneas,
pelas escarpas de vossos temores;
rompendo os umbrais desses frágeis casulos,
cobertos de zinco e desonra;
quando isso ocorrer, sêde sábias serpentes:
olhai os vossos mortos distraídos
por saber que nos morros mal nutridos
é sempre relativo todo mal.


Quando roçarem vossos dorsos,
sibilantes foguetes,
cadentes projetis,
troando, zunindo, fulgindo,
rugindo, retumbantes,
nesse absurdo convívio entre estampidos e batuques,
um trom de artilheria em céus pirotécnicos,
tumulto e uma teratológica presença;
pisai os vossos corpos distraídos,
por saber que nos morros invadidos
é sempre relativo todo mal.

Acautelai-vos, ó gente esfarrapadamente feliz,
que as barreiras da história não tem arrimo,
que vossos gritos sumirão, inúteis, no olvido das gentes.
Cavai trincheiras nas fendas da alma, se há viva alma,
barricadas ao monstro nietzcheano,
barricadas de silêncio e dor.

Que tendes com essa guerra dos titãs?
Cá desse lugar distante vos contemplo,
(de minha escrivania no Planeta dos Macacos)
cúmplice de vossas cavilações ladinas,
arrastões, pequenos lances,

dribles garrinchas na fome e na miséria,
astúcias de quem vive no espaço desse avêsso:
esses casebres vergados à beira do abismo,

taturanas de anônimas latas no chafariz,
bordas amassadas de marmitas vazias.



Quando o mais frio dos monstros chegar
buscai de Deus as linhas tortas,
ó cidadãos dos outeiros da Vila Real de São Sebastião!
Enquanto não sobe as ladeiras o anjo destruidor,

girai roletas russas que a miséria envilece,
jogai os dados que a miséria afrouxa os laços.
Deixai que lutem os deuses do absurdo
e que seus cadáveres voltem ao Pó de onde vieram.
Quando esse monstro chegar guardai silencio,

guardai vossas crianças e segredos.


Lembrai do bom conselho, que vos dou, de graça:
pisai sobre os valores sem sentido,
por saber que nos morros esquecidos
é sempre relativo todo mal...

Eurico
1993

Fonte da imagem:
http://img46.imageshack.us/img46/2279/baianord7.jpg

sexta-feira, maio 09, 2008

Tantãs


Dionisos é negro e dança em transe,
Vertiginosa dança com seus mitos.
Escuto o som distante:
Tum dee dee dum!
Maracatumbam tambores:
Tum dee dee dum, dee dee dum!
Vozes líquidas vazam dos casebres
onde se dança à transmutação.
Abro a janela,
instante numinoso,
júbilo de concelebração:
Tum dee dee dum a um Pã universal!
Sem guante a africana gesta e um falo
fecunda intensamente a natureza.
Regaço, cosmos, mãe, força telúrica:
Deus é um útero, um dentro, um aconchego.
E solto Dionisos dança negro,
abandonado à ondulação da vida,
vertiginosa dança com seus ritos:
Tum dee dee dum com alegria cósmica,
voz de tambores, noite suburbana.
Sambarrebatamento nos barracos
e percutidos gritos ao Infinito!
***
Eurico
Poema publicado originalmente
no zine Eu-lírico n.º 4, Ano 1995,
em Edição comemorativa dos 300 anos de Zumbi
Fonte da imagem:

domingo, maio 04, 2008

Mitopoese IV: Tubal-Caim




Gênesis IV, 20-22



I
Acordo cedo
e acendo a forja.
Sopro-lhe vida,
a plenos pulmões.
Espanco a peça
na qual trabalho,
com marteladas
(nietzcheanas?)
numa bigorna.
Minha obra, arranco
da impura gusa,
p/arte abstrusa,
que, esbraseada,
quer ser forjada.
Por isso luto,
tarefa insana,
(opus alchimicum?)
contra a matéria
bruta, que em brasa,
cresta minh’alma,
na lavra lenta
das raras peças.
Eis o motivo
da obra escassa.

II
Como eu invejo o artesão da palha,
Fácil manejo, nas mãos, na mente.
Dedos velozes dançam nas tramas,
trançando em ramas o todo e a p/arte.

Também invejo o cantador de motes,
aquele da poesia num repente,
que embola versos agalopados,
deixando boquiabertos os feirantes.

E os cordelistas, pluviosos vates,
gosto de vê-los, nas rimas tantas!
Fazem chover versos aos milhares.
Canções de gesta, como enxurradas
que invadem ruas, feito as enchentes.

Ai...se fosse assim meu árduo ofício...


III
Lavoro às chamas, queimando em febre,
tisnada a pele, olhos ardentes.
Lavro a escória do ferro gusa,
com essa pa/lav(r)a quase vulcânica,
Logos brasil,
Verbum incandescente,
Léxico de hermética metalurgia.

Eis minha sina, eis o meu fado,
(e com que enfado vos digo isso):
fundir a gema, pétrea e absconsa,
(e o Transcendente está nessa Idéia),
entre o crisol e a crisopéia.



IV
E então desperto
o mistério disso:

Acordo cedo,
bem de manhã,
e acendo a forja
d’alma louçã.
Lutar com as pedras,
Luta mais vã...



Eurico
metapoema sem data


20 E Ada deu à luz a Jabal; este foi o pai dos que habitam em tendas e possuem gado.
21 O nome do seu irmão era Jubal; este foi o pai de todos os que tocam harpa e flauta.
22 A Zila também nasceu um filho, Tubal-Caim,
fabricante
de todo instrumento cortante de cobre e de ferro; e a irmã de Tubal-Caim foi Naama.
poema dedicado aos poetas itabiranos, Euza e Drummond
***