Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

domingo, abril 06, 2008

Cálix


De pé sobre as águas
Ergo até a fronte, em brasa,
A Palavra.
Seu hálito me invade
E acende a porta, a estreita porta,
Vazada sobre a noite dos tempos.
Mesmo quando sobrevoa-me em círculos
A ave do ocaso:
Nada dizer.
Nenhum pensar.
Nada ser.
Chorar sobre a cidade agônica
E olhar-me de fora das muralhas.
Tenho um centro ou dilato-me centrífugo?
Todos os ninhos estremecem vazios.
Estou sem mim.
Mas há címbalos.


Luiz Eurico de Melo Neto

Poema publicado em http://www.blocosonline.com.br/
por gentileza da amiga Leila Míccolis - Maricá-RJ

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Imagem:
Pai libanês, com criança nos braços, em 13/08/2006.

Fonte:
http://www.freefotolog.net/fotos/422784454.jpeg
www.freefotolog.net/revolucionar/1335309

8 comentários:

Dora disse...

No "calix" da provação, a Palavra parece exercer seu poder no silêncio.Às vezes, quando é só um espectador da agonia e da morte, o ser estremece na perda da identidade, não? Todos morreram...Será que Eu morri?
Mas, a esperança salva: háverá "címbalos", sempre!
Poema denso, poeta! E bonito demais!
Abraço.
Dora

lula eurico disse...

Amiga Dora,
não consigo comentar no teu blog, então respondo aqui rsrsrs. Encontrei em ti uma leitora que devassa meu texto, como se fosse translúcido. Nesse fenômeno escrita/leitura ocorrem coisas misteriosas, indizíveis. Sim , Dora, poetamiga, os címbalos (são os símbolos que) salvam a dor do poema. Eis o único verso que resgata a esperança. Valeu!!!
Tem fé no começo, é certo, mas a fé que titubeia e pode submergir. Mas ao final, apesar da loucura humana, há os címbalos!!!

Alah-hu-acbar!!!
Shalom!!!
Saravá!!!
Aleluiah!!!
Viva Deus!!! Pequeno sou eu!!!

Eurico
07abr2008

Loba disse...

Eurico, estava agora mesmo fazendo um texto comparativo sobre linguagem literária. Chego aqui e vc me leva a fazer outra comparação: a linha que divide o poeta do fazedor de versos.
Poeta é quem é capaz de colocar um mundo de sensações e emoções dentro de um único verso:
“Tenho um centro ou dilato-me centrífugo?”
Poeta, é aquele capaz de usar versos como estes:
“Nada dizer.
Nenhum pensar.
Nada ser.
Chorar sobre a cidade agônica”
e levar o leitor a ampliar esta agonia, sentindo-se apenas espectador de tantos atos do seu cotidiano. E logo em seguida, romper a impotência com o verso final.
É. Poeta é quem sabe transmitir a emoção do viver. Vc é Poeta.
Beijos

Sandra Fonseca disse...

"A Palavra.
Seu hálito me invade
E acende a porta, a estreita porta,
Vazada sobre a noite dos tempos"...

Me identifico com esse trecho desse poema tão cálido de significantes e signaficados. Somos címbalos sonantes, identificados no hálito da palavra. Maravilhosa palavra!
Sandra.

MARTHA THORMAN VON MADERS disse...

Este poema é forte, é quase necessário.
A esperança se faz aqui presente.É muito .....[pausa para minha alma descansar]
hoje fiz uma nova postagem, se tiveres um tempo apareça por lá.Um abraço

Ilaine disse...

Eurico!

Vim aqui para agradecer pela sua visita lá no baú. Obrigada por cada palavra.

Belas palavras encontro em seu blog.Que maravilhoso poema. Gostei demais. Vou anexar o EU-LÍRICO aos meus favoritos.

Voltarei.Abraço

Estive em Recife/Olinda em julho do ano passado. Lindo Brasil!

Jacinta Dantas disse...

Aqui, no seu espaço, sinto-me à vontade para saborear cada palavra que, mesmo no silêncio, tem força e poder de dizer o que é prá ser dito, quando com o olhar posso escutar: A Palavra.
Abração
Jacinta

* hemisfério norte disse...

adoro Vivaldi e adorei este espaço.
Obrigada pela sua visita e pelas suas palavras gentis.
bj de Portugal´
a.