Uma Epígrafe



"...Quanto à poesia, parece condenada a dizer apenas aqueles resíduos de paisagem, de memória e de sonho que a indústria cultural ainda não conseguiu manipular para vender."...[Alfredo Bosi, in O Ser e o Tempo da Poesia, p. 133]

sábado, março 29, 2008

Hagar


Agora, um mundo sem guante
e essa pele azul, diamante
sob o sol primevo:
Hagar é livre!
*
Bem sei que há fome,
e que esquálidas infantas
perambulam pelas estepes,
a fronte de ébano sob o sol.
Sei que há natimortos
e dor, muita dor.
Mas é livre Hagar !
*
E não há bem maior,
nem outro anelo,
mesmo entre abrolhos,
mesmo à deriva
maior que a vida,
é estar sem guantes,
é a liberdade
de andar à toa, pelas planícies,
levando a noite dentro da pele.
*
E Hagar é livre -
é livre, Hagar!
***
Eurico
Março 2008
(retomando a produção)
***
Poema dedicado a Jorge Rosmaninho
editor de Africanidades

terça-feira, março 18, 2008

Equinócio da Primavera e Páscoa: um sincretismo




A Igreja Católica Romana absorveu as celebrações pagãs da primavera, oriundas de raízes antiqüíssimas e muito anteriores ao cristianismo. Como a maioria dos antigos festivais pagãos, a celebração do Equinócio da Primavera foi adaptada (ou cristianizada) pela Igreja, aproveitando o fato de que coincidia com a provável data da ressurreição de Jesus Cristo.
Até hoje, o Domingo de Páscoa é determinado pelo antigo sistema do calendário lunar, que estabelece esse dia santo no primeiro domingo após a primeira lua cheia, no, ou após o Equinócio da Primavera.
Durante o Equinócio, os campônios europeus acendiam fogueiras ao nascer do sol, tocavam sinos e decoravam ovos cozidos. Os ovos, símbolos de fertilidade e da reprodução, eram pintados com vários símbolos mágicos ou com as cores do equinócio da primavera, como amarelo ou dourado (cores solares sagradas). Como se vê: o próprio ovo de Páscoa é pré-cristão.
Nos países de origem Celta, nesta época do ano, a Deusa Oster ou Eostre é lembrada e honrada com belíssimos festivais que incluem flores, cores vivas, ovos e lebres. As flores e as cores vivas representam a primavera; os ovos representam a possibilidade de uma nova vida; os rituais são feitos em homenagem à Mãe Natureza, que mais uma vez fertilizará seus campos e nutrirá os homens que vivem sobre o seu leito.
A Lebre da Páscoa era o animal sagrado da deusa teutônica da Primavera, Eostre, deusa lunar da fertilidade, que tinha cabeça de coelho. A palavra inglesa para Páscoa, Easter, provém do nome dessa deusa, também designada Ostara ou Eostar. O dia do culto de Eostre, a Páscoa (Easter), que ainda é praticado pelos seguidores da tradição celta, é no primeiro Domingo depois da primeira Lua Cheia, após o Equinócio da Primavera (hemisfério norte), ocorrendo entre os dias 19 e 22 de Março.
A Lebre, sendo o símbolo da Lua, foi associada à festa cristã da ressurreição, já que a Lua foi utilizada para determinar a data do domingo de Páscoa. Os católicos, “coincidentemente”, através do Concílio de Nicéia em 325, fixariam o dia de Páscoa no primeiro Domingo depois da Lua Cheia, a partir de 21 de Março.
Pensando nessas duas belíssimas e sincréticas celebrações, a celta e a cristã, chegamos à conclusão de que é tempo de renovação, de retomada dos sonhos e dos projetos!
Tempo de renascimento!
Boa Páscoa!
Feliz Equinócio!



Eurico
23/março/2008
(A imagem é A Primavera, de Botticelli )
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Fontes de pesquisa:

Primavera de Monet com Vivaldi ao fundo


No Brasil, inauguram-se as águas de março...
Cá no nordeste, louva-se São José,
em procissões ad petendam pluviam.
Então, por que Primavera?

Explico:
não estamos no Brasil, nem em qualquer lugar do planeta.
Estamos na Rede!
Neste planeta azul, a 48 horas do equinócio,
respira-se outono e primavera, a um só tempo.
O Eu-lírico, pois, está primaveril, por opção profunda.
Esse estado interior veio brotando, brotando e floriu...
Estamos em plena primavera virtual!

Eurico
Recife/Olinda
19/03/2008
dia de São José

sábado, março 15, 2008

Ainda tocado pela luminosidade da obra de Vivaldi!


A Primavera não é apenas uma estação do ano. É um estado de espírito!
***
A foto é de Fernando Pereira-SP, cuja fonte é:
da amiga Jacinta Dantas

terça-feira, março 11, 2008

Primavera de Vivaldi (allegro)



A paisagem em volta é de concreto?
Lajes, becos, vielas?
As crianças repetem o refrão do créu no andar de cima?
Não há nada que preste na TV?
Esqueça tudo isso.
Feche os olhos e ouça Antonio Vivaldi aqui no Eu-lírico.

*
E agora?
Gorgeiam pássaros em volta?
Cigarras explodem de tanta luz?
Sibila o vento?
Farfalham palmeiras?
Deleite-se com os pequeninos ruídos da flora e da fauna.

É Vivaldi!
Feche os olhos.
Abra os sentidos da alma.
A Primavera está a te invadir agora!


Ouça Vivaldi, clicando aqui:

sábado, março 08, 2008

Tessitura




Nada aqui é poesia, nem prosa.
O que fabrico é têxtil,
Bicho-da-seda, tramando
uma teia inconsútil.
Rara mas, inútil.

Nada aqui é prosa, nem poesia.


Trabalho em um tear onírico e artesanal;
embora, esse espectro do demasiado humano
e essa invasão emocional

de marimbondos.

Eurico
14.06.2001

segunda-feira, março 03, 2008

Fingere

Quando eu mais menino,
Debruçava-me sobre os versos,
Os olhos marejados, a alma aflita.
Cresci.
Não choro mais, por conta de artifícios;
Os mesmos artifícios com que construo os versos.
E ando a aconselhar aos meus parcos ledores
(que, nesses tempos loucos, nem mais se lê poesia...)
Para não chorarem por conta de meus versos.
As dores que invento nem são dores.
São coisas fictícias, a alma é de papel,
Saudades fabricadas, ais que eu nunca disse.
O que me importa mesmo é o jogo,
O ofício de iludir,
o mero roçar das falanges na caneta, vício adquirido desde cedo;
e o arrastar da mão na página em branco.

Não há pesares, insisto.
Não há dores.
São todas falsas penas,
mágoas fingidas.
Tudo medido, premeditado:
Cada palavra, cada vírgula,
cada gemido, pré-fabricado em moldes de gesso.
Todo sentir aqui é artifício, é falso.
O que persigo (e, nisso, eu sou sincero)
É essa beleza plástica, essa harmonia,
Esse ritmo interior das elegias
em que um poeta engendra as dores
que ainda deixam úmidos os meus olhos de menino...
Eurico
30/10/1997